O monstro no espelho
Dei três moedas de cinco centavos a um vendedor de flores na rua. Ele quis me mostrar seu trabalho, mas eu não estava com tempo. Ele queria dinheiro, depois de tudo e as moedas eram de um valor irrisório pra mim, mas para ele, que deambulava as madrugadas nas ruas e avenidas, certamente tinham muito valor. Então as entreguei enquanto falava ao telefone. Ele olhou-me com pena (não entendi a razão), apertou as moedas cabisbaixo e saiu sem agradecer.
Mais tarde juntei as roupas velhas e rasgadas e os sapatos descolados que esqueci de jogar fora e entreguei a uma criança que me pediu ajuda. Disse estar com frio. Eu não usaria tais farrapos, mas ela, que nada tinha, certamente poderia embolar todas e simular um cobertor. Estava acostumada a se cobrir com papelões, então, isso seria um grande presente. Ela olhou pra tudo, enrolou o embrulho com tristeza e (novamente) sem agradecer, saiu.
Os restos do almoço coloquei em um saco plástico e dei a um homem que me contou ter doze filhos passando fome. Me partiu o coração! Separei a parte do cachorro e lhe entreguei feliz. Hoje estariam bem alimentados, pensei. Ele havia pedido emprego, mas no final, tudo dá no mesmo. Esse olhou-me firmemente com lágrimas nos olhos (talvez fosse a gratidão que os outros não tiveram) e saiu.
Iniciava-se a noite e a casa estava toda enfeitada. Presentes, árvore, mesa...foi quando ao passar pelo corredor, deparei-me com um ser ediondo e repulsivo. Um monstro de corpo contorcido vestindo farrapos imundos e uma boca com dentes putrefatos que sorria ironicamente. Um par de olhos grandes e cortantes me fitavam e um nariz volumoso me olfateava com certa distância - pensei gritar, mas fiquei petrificado. Das mãos do monstro, dedos finos e tortos, com unhas sujas e compridas me estenderam algo. Assentiu com a cabeça apontando três moedas e dizendo: "Toma, elas te fazem muito mais falta", e em um gargalhar sombrio me deixou a olhar o espelho.
(Parauapebas/PA - 13/12/96)
Dei três moedas de cinco centavos a um vendedor de flores na rua. Ele quis me mostrar seu trabalho, mas eu não estava com tempo. Ele queria dinheiro, depois de tudo e as moedas eram de um valor irrisório pra mim, mas para ele, que deambulava as madrugadas nas ruas e avenidas, certamente tinham muito valor. Então as entreguei enquanto falava ao telefone. Ele olhou-me com pena (não entendi a razão), apertou as moedas cabisbaixo e saiu sem agradecer.
Mais tarde juntei as roupas velhas e rasgadas e os sapatos descolados que esqueci de jogar fora e entreguei a uma criança que me pediu ajuda. Disse estar com frio. Eu não usaria tais farrapos, mas ela, que nada tinha, certamente poderia embolar todas e simular um cobertor. Estava acostumada a se cobrir com papelões, então, isso seria um grande presente. Ela olhou pra tudo, enrolou o embrulho com tristeza e (novamente) sem agradecer, saiu.
Os restos do almoço coloquei em um saco plástico e dei a um homem que me contou ter doze filhos passando fome. Me partiu o coração! Separei a parte do cachorro e lhe entreguei feliz. Hoje estariam bem alimentados, pensei. Ele havia pedido emprego, mas no final, tudo dá no mesmo. Esse olhou-me firmemente com lágrimas nos olhos (talvez fosse a gratidão que os outros não tiveram) e saiu.
Iniciava-se a noite e a casa estava toda enfeitada. Presentes, árvore, mesa...foi quando ao passar pelo corredor, deparei-me com um ser ediondo e repulsivo. Um monstro de corpo contorcido vestindo farrapos imundos e uma boca com dentes putrefatos que sorria ironicamente. Um par de olhos grandes e cortantes me fitavam e um nariz volumoso me olfateava com certa distância - pensei gritar, mas fiquei petrificado. Das mãos do monstro, dedos finos e tortos, com unhas sujas e compridas me estenderam algo. Assentiu com a cabeça apontando três moedas e dizendo: "Toma, elas te fazem muito mais falta", e em um gargalhar sombrio me deixou a olhar o espelho.
(Parauapebas/PA - 13/12/96)