Vida gostosa
Tenho um primo que olha, o sujeitinho de vida pacata. Lembro-me dele na casa da vovó. Sempre tranquilo, gostava de pescar, pegar frutas no pomar, tirar leite da mimosa e nesta hora, ninguém batia ele. São lembranças de minha infância, que passei no sítio quando criança.
Porém, aquilo hoje não passa disto, recordações. Minha vida hoje é outra. Estudei muito, comecei a trabalhar cedo, fui “boy”. Depois de muitos anos e processos de seleção, crescimento e com mais estudos, sempre na mesma empresa, tornei-me gerente.
Isto me deu conforto financeiro, viajei o país todo. Pulei muitos carnavais, conheci muitas festas de peão. Tenho uma casa maravilhosa, um belo carrão, os filhos estudam em ótimos colégios. Minha esposa é uma mulher maravilhosa. Tudo parece impecável em minha vida.
Contudo, dia desses em exames de rotina, fui diagnosticado com meu coração perto de um colapso. Falando com o médico cardiologista, ele disse que neste ritmo de vida, não devo durar muitos meses. Sugeriu que eu desacelere, deixe de lado meus sonhos de consumo e viva a vida com qualidade.
Fiquei pesando, como fazer isto?
E a resposta veio fácil, meu primo, aquele da casa da vovó, veio me visitar. Quase não o reconheci quando entrou em casa (temos quase a mesma idade). Aquele menino tornou-se um homem alto, forte, cheio de vida, sorridente, feliz com sua vida na roça. Contou um pouco dele, já tem um tempo que não nos falamos. Vive bem, casou, tem dois filhos. Mora na casa que era de nossos avós. Sempre trabalhando no sítio, mexendo com suas plantas, galinhas e vacas leiteiras, de onde tira boa parte do sustento da família.
Que maravilha, me mostrou a qualidade de vida, esta não precisa ser uma correria, ou, não é necessário todo este luxo (lixo), que o capitalismo nos vende, para você ser feliz.
A gente cresce, estuda, trabalha, ganha muito dinheiro e fica burro. Perde ou quase a saúde e só depois percebe que tudo isto são falácias.
Então, hoje me vejo em um tubo gigante, de última tecnologia, sofrendo com a claustrofobia. Poxa, poderia ter sido diferente.
Porém, o pior veio depois, o médico diz que posso morrer em pouco tempo. Ou, devo ir para o sítio. Quem sabe até trabalhar meu com primo. Cuidar das vacas, galinhas, ir pescar e viver com qualidade vida, de ar, água e aquele cheiro gostoso do interior.
Então lembrei e falei a minha esposa: - diga para o primo, quando, ou se eu sair deste hospital, peça para que arrume a vara de pescar. Pois, de hoje em diante, eu quero sentir um pouco do prazer que ele teve a vida toda, vivendo simples e feliz.
Disse isto e os enfermeiros me encaminharam a sala de cirurgia. Meu coração precisa de reparos.
O escritor do lago.