O dia seguinte
“Padrinho, quando o coronavírus acabar, no outro dia vai ser meu aniversário”.
A primeira reação do adulto que ouve isso é de se deliciar em risos com a beleza da linguagem infantil.
Mas há algo profundo nessa espontaneidade. Minha afilhada, de cinco anos, com suas ideias de giz de cera que, como toda criança, consegue colorir a realidade por mais cinza que seja, está olhando para a janela, esperando a tempestade passar. Assim como todos nós, ela quer o dia seguinte.
O aniversário será no dia seguinte. Não importa a data. Importa que será assim que “o coronavírus acabar”. A dissipação da pandemia será comemorada com a festa do seu aniversário, com a celebração da vida.
É o que todos esperamos: o dia seguinte.
Queremos que essa dor – que torna mais intensas tristezas que já seriam imensas em qualquer outra época – passe. Na paciência angustiante, seguimos as recomendações dos mais preparados (leia-se: ciência) para que esse dia acabe e nos revoltamos com os que ignoram – por diversos motivos – essas orientações. Temos a sensação de que eles rasgam ainda mais as feridas, adiando a cicatrização. E o que não queremos é que o término desse dia seja adiado.
Queremos o dia seguinte. Neste dia, não haverá máscaras, terá vacina, voltarão os abraços sem culpa, os apertos de mão, visitaremos os amigos, voltaremos a experimentar o calor da presença... A alma do mundo sorrirá.
“Querida afilhada, quando o coronavírus acabar, no outro dia vai ser o aniversário da humanidade”.