Flávio Migliaccio: o retrato do nosso desespero
O suicídio de Flavio Migliaccio deve nos alertar. Ele não é o único brasileiro desiludido e desesperançado que vê seus sonhos sendo sufocados. Quantos anônimos, a quem ninguém ouve, não estão chorando em silêncio, obrigados a viver vidas frustrantes, sem poder realizar seus sonhos, sem saber como será o dia de amanhã, vendo a mediocridade imperar, pensando que é inútil trabalhar duro, dedicar-se a um sonho e ter ideais nobres. Que país é esse? É o país que está matando os brasileiros. A mídia não divulga mas sabemos que muitos brasileiros têm cometido suicídio. Do que adianta você se formar se isso não lhe garantirá um emprego digno? Várias vezes, eu ouvi que eu não podia esperar que emprego caísse do céu, mas as pessoas parecem não ver as filas de pessoas distribuindo currículos para conseguir empregos de um salário mínimo.
A tristeza de Flávio Migliaccio é a nossa tristeza. Nós somos sufocados pelas faltas de oportunidades, pelo descaso com a educação, a segurança e o desrespeito à arte e cultura. Enquanto tantos escritores talentosos aqui sabem que nunca venderão muitos livros, nulidades como Anitta e Wesley Safadão faturam. A gente quer lutar para educar as crianças mas não vê educação de qualidade e os que assumem a pasta da Educação estão mais preocupados em ensinar religião e que "meninos vestem azul e meninas vestem rosa" do que ensinar a ler, escrever e fazer contas. Eu sou professora de inglês e tenho que ensinar em cima de cidadania e sustentabilidade quando meus alunos não sabem direito nem o "good morning". Estou de mãos atadas. Não posso ensinar o que eles realmente precisam, que são os rudimentos básicos da língua inglesa e sei que terminarão o período letivo tão ignorantes como quando começaram.
O Brasil não dá suporte a artistas, cientistas e atletas e as pessoas estão sem esperanças quanto ao futuro. Para haver um futuro, deveria se investir em educação, como se fez na Suécia, Finlândia e Coréia do Sul. Lá, os alunos podem discutir robótica, sustentabilidade e direitos humanos. Mas aqui, não se investe em educação. E todo ano, vem um novo candidato que promete a um eleitorado cansado de conviver com a má educação que vê sendo dada nas escolas, com a falta de segurança e com o desemprego que irá fazer o que seus antecessores não fizeram. A gente sabe que não é impossível um país mais seguro, com uma melhor educação e com vagas de empregos. Mas não há um real interesse por parte dos poderosos em nos dar isso. E sabem por quê? Porque uma nação de gente sem educação é mais fácil de manipular. Um povo consciente de seus direitos não interessa aos poderosos. E isso favorece a essas figuras messiânicas que aparecem prometendo que nos darão o que há tempo era para ser uma realidade em nossas vidas. Depois que chegam ao pode, eles parecem esquecer o que prometeram. O eleitor só é importante quando se quer conseguir voto. Os políticos agem como se fossem reis, figuras importantes que só pisam no solo porque não podem flutuar, mas a verdade é que eles foram eleitos para trabalhar para nós, para garantir nossos direitos. E nos fazem de trouxas sem a menor vergonha de agir assim.
Flávio Migliaccio sentiu que tinha jogado toda sua vida fora. E muitos brasileiros estão sentindo isso: que desperdiçaram suas vidas, que têm trabalhado duramente para nada. E enquanto tanta gente honesta luta a vida inteira para, no fim, conseguir apenas uma parca aposentadoria, políticos corruptos enriquecem, uma minoria fica cada vez mais rica e vemos a mediocridade imperar quando percebemos um presidente mal-educado, grosso e irresponsável chegar ao poder como chegou: através de discursos falastrões, de destempero verbal e de uma vergonhosa ignorância. Mas o pior foi ver tantos achando graça na idiotice explícita e na imbecilidade escancarada de nosso ilustre Jair Messias Bolsonaro. Não acho que o Brasil estaria melhor se Haddad houvesse ganho e não sou pela direita nem pela esquerda. Como Cazuza, digo que "meu partido é um coração partido", pois tanto políticos de esquerda quanto de direita se elegem prometendo muito para roubar e beneficiar os que os ajudaram a se eleger. Se as pessoas estudassem História como se deve, saberiam como era no Império Brasileiro, em que havia os Partidos Conservador e Liberal e se cantava que nada mais Conservador que um Liberal no poder e nada mais Liberal que um Conservador no poder. Ou seja, mudam apenas as legendas. Todos agem da mesma forma. Nós não sabemos mais em que acreditar. Os políticos totalmente honestos são uma minoria.
Todo este triste quadro só nos lembra as palavras de Rui Barbosa que falou que o brasileiro chegava a rir da honra e ter vergonha de ser honesto. E podemos dizer que ainda estamos muito longe de poder desmenti-lo.