Fraternidade
“(...) somos mortais; esse vírus confunde os nossos projetos, abala nossa estrutura, nos separa de todos, para voltarmos a nossa essência; para nos inspirar a compaixão e a solidariedade. O vírus não conhece fronteiras; a humanidade horizontalizada, compartilha o ônus, igualmente. Meu Deus, eu creio que esses dias serão curtos e logo voltaremos a viver, de forma menos consumista, mais fraterna.” (Áurea Dória)
Muitos, só agora, diante da morte escondida e com a foice afiadíssima, se descobrem mortais. Estávamos distraídos e confiantes na nossa imortalidade material, na concretização de cada projeto pensado. Estamos esfacelados, triturados em nossas estruturas, a física, a mental, a psicológica e a quântica. Vai ser difícil retornar à nossa essência, pois a vendemos por aí, ou trocamos por vaidades e satisfações inúmeras.
O vírus é um meteoro sem freio, uma surpresa nunca pensada pela geração de olhos fechados para o Universo, para as estrelas, “Pois só quem ama pode ter ouvido/Capaz de ouvir e de entender estrelas”. A igualdade da humanidade horizontalizada é a metáfora miseravelmente perfeita do sonho de um dia nos reconhecermos iguais e mortais. Iguais na temida morte, desconhecedores da sorte e do norte.
Não, os dias não serão curtos, mas uma eternidade para quem ficou, quem perdeu um familiar. Para milhares que ficarão desempregados. Os dias serão longos e frios, tristes e constrangedores. Não, o consumismo não findará. As indústrias acelerarão suas máquinas na corrida mais desenfreada “à la recherche du temps perdu”. As lojas subirão suas portas com aquele canto triste esperando a alegria do desavisado cliente que não resiste aos termos LIQUIDAÇÃO PROMOÇÃO e tantos outros, incluindo-se os em língua inglesa. Não, não seremos fraternos, mas alguns têm sido e continuam sendo porque são fraternos e sinceros. Estes continuarão porque sentem a dor dos outros e não se mantêm à sombra e com seus carros luxuosos protegidos por sistemas poderosos de alarme, em condomínios de segurança máxima.
Por falar em fraternidade, artistas de todas as artes, empresários P, M e G e GG, atletas, celebridades, miliardários estão doando muito dinheiro, toneladas de produtos de combate ao Coronavírus. Entre os mais simples, sem fama, há os que dão o de que dispõem, costuram máscaras, dividem o pão.
Agora tenho a perguntar: Por que todos nós não nos empenhamos ao longo da vida na prática da fraternidade sem esperar tragédias? Quem sabe, tantas lágrimas fossem evitadas e pudéssemos desenvolver olhos e ouvidos de ver e de entender estrelas.