O que você espera da vida? O que você espera de si mesmo na vida?
 
 
 
 
 
 
Adriano Silva
07/10/2019 15h17
Vida é confusão. Viver é tentar colocar alguma ordem no caos das coisas absolutamente incontroláveis que voam por cima e por baixo da gente, à nossa revelia.
Se você gosta da sensação de controle, de ter tudo organizado a partir do esquema mental que criou, e se você acha que só poderá ser feliz quando todas as coisas repousarem dentro desse cenário perfeito, saiba que isso só vai acontecer quando você morrer.

Só então tudo se resolverá. Suas dívidas estarão pagas, seus defeitos serão minimizados. Sua existência só estará perfeitamente higienizada quando você deixar de existir – quando você, paradoxalmente, se tornar irrelevante e estiver pronto para ser esquecido.
Até lá, continue tentando arrumar seus livros na estante. Mas sem que isso seja condição sine qua non para dormir bem. Porque os livros jamais estarão completamente ajustados em todas as suas prateleiras. Alguns estarão fora de ordem, ou de cabeça para baixo. Outros estarão perdidos – não se preocupe, eles aparecerão; e se não aparecerem, é porque você esqueceu deles antes de encontrá-los, e eles não eram tão importantes assim.
 
Vida é insegurança. Viver é tentar obter alguma certeza no mar de interrogações sem resposta e de questionamentos em aberto que giram incessantemente ao nosso redor.
Quem empreende não sabe se a empresa estará viva amanhã. Quem não empreende, às vezes por aversão ao risco, ou por não suportar a ideia de não ter nada garantido no final do mês, também não sabe se estará empregado amanhã, nem se a empresa para a qual trabalha, na qual depositou sua confiança, sobreviverá mais um mês.

Eis o ponto: nada está garantido. Para ninguém. Tudo está sempre em aberto. A sensação de segurança é sempre ilusória. A gente está sempre em beta. Passei boa parte da minha vida correndo atrás, muito, em alta velocidade, para construir um colchão que me permitisse ter alguma tranquilidade na hora de colocar a cabeça no travesseiro, ou para acordar na segunda e encarar um novo começo de semana.
Isso ajuda, é claro. Mas não resolve. Quando você dedica sua vida a construir uma rede de proteção para si mesmo e para os seus, ainda assim há o risco de, em nome disso, viver uma vida oca, besta, vazia, árida, sem graça e sem cor – a vida de um dinheirista, de um acumulador, um indivíduo que vive contando trocados, não porque esteja envenenado pela cobiça, mas porque já passou necessidade e não quer voltar para aquele lugar de jeito nenhum.
 
Vida é sofrimento. Viver é tentar obter alguns momentos de alegria e de paz em meio a esse fluxo interminável de notícias nem sempre boas e de eventos nem sempre agradáveis que nos define o dia a dia.
Viver é perseguir a felicidade, tendo de lidar todo dia com o sentimento de falta (inclusive de sentido) e da insuficiência de tudo ao redor. Tanto em relação às coisas que você já conquistou quanto àquelas que você ainda deseja para si. Viver é enfrentar também a insatisfação consigo mesmo. Como se para cada fio de cabelo que você conseguisse pentear, outros cinco entrassem em desalinho – e outros cinco lhe caíssem da cabeça. Como se nada que você pudesse fazer fosse mudar essa sensação de incompletude.
Você sofre com a fome, e quando você não tem mais medo da fome, vem o enfaro. Você sofre com a ansiedade, e quando você doma a ansiedade, vem o tédio. Quando você começa a se acostumar com seu corpo, ele começa a decair e a falhar. Quando você começa a aprender a viver, já não há muito tempo à frente.

 
Vida é perda. Viver é tentar fazer alguma coisa bacana com as escassas horas que temos no bolso, vendo os outros passarem e irem embora, vendo a gente mesmo envelhecer e avançar em direção ao degredo e ao fim.
Estamos todos por um fio. Somos muito frágeis. Os perigos são muitos, estão em todo lugar e são todos muito mais fortes do que nós. Uma bactéria, um vírus, vindos do nada – ou que já estavam com você há anos e que decidem atuar num momento de baixa imunidade. Um coágulo que viaja dentro de você, esperando faceiro pelo dia de chegar ao cérebro. Um coração que um dia decide parar de bater, sem aviso prévio.
Um carro em alta velocidade. Um projétil que entra pelo vidro da janela de casa ou do carro. Um sintoma que apareceu e que você decidiu ignorar, não tratar, para ver se ele ia embora do mesmo jeito inexplicado como apareceu, e que se transforma numa causa mortis inevitável quando você finalmente resolve buscar ajuda.
Ou o prato que você mais gosta, num almoço de domingo, em comemoração ao aniversário da pessoa que você mais ama, seguido de uma reação alérgica fulminante. E você não tem tempo sequer de se despedir do seu pai, que lhe segura desesperado nos braços, vendo a vida ir embora de suas pupilas dilatadas pela anafilaxia.
Ou um atendimento malfeito e um diagnóstico mal dado. E você acaba. Sem que ninguém consiga determinar se foi falência renal, pneumonia, peritonite, septicemia, falência geral dos órgãos. Você sai de cena, com a tremenda irrelevância que caracteriza cada um de nós, mero grão entre os 9 bilhões de seres humanos que habitam esse planeta, outro grão entre os 100 bilhões de planetas da Via Láctea, que é apenas um grão entre as 100 bilhões de galáxias que inferimos existirem.
 
Note que essas reflexões vêm de um cara que tem tudo, que conseguiu tudo o que desejava na vida, que excedeu quase todas as expectativas que tinha para si. Portanto, não são palavras nascidas do pessimismo, nem nutridas por nuvens negras trovejantes. (Embora elas sempre estejam por perto.)
O que estou tentando compartilhar aqui é uma convicção: é preciso ajustar as expectativas diante da vida. E do que se pode esperar dela. Sua utopia pode lhe ajudar, mas também pode lhe machucar muito. Suas fantasias podem servir de combustível para que a sua existência seja a mais alegre possível, mas elas também podem lhe paralisar.
É preciso compreender do que a vida é feita. E aprender a viver com isso. E perceber do que você é feito. E avançar a partir disso. E construir pontes entre as suas verdades, sem negá-las, e a realidade ao redor, sem maquiá-la.
Saiba que você nunca estará pronto. E que o fardo nunca ficará menos pesado. E que sempre haverá dias em que você não terá motivação alguma para sair da cama. (E precisamente nesses dias é que será preciso engatar a marcha e ir adiante.) E não importa para isso que você não tenha conquistado nada ou que você já tenha conquistado tudo. O mormaço estará lá, acordará do seu lado do mesmo jeito.

Eu era um cara que tinha pouco. Desejei algumas coisas. Trabalhei muito, investi todas as minhas energias, comi um bocado de poeira. Conquistei tudo o que sonhei. E um pouco mais. Hoje, olhando no espelho, analisando a estrada que me trouxe até aqui, penso que é preciso viver cada minuto. Olhar para frente, sim, mas viver o dia presente. Reconhecer o que passou, sim, mas viver o dia presente.
É preciso entender o que lhe faz feliz de verdade, e perseguir esses momentos. E não seguir o plano que outros fizeram para você, ou que você mesmo se impôs, sem nunca se perguntar o que você queria de fato da vida.
É preciso valorizar aquilo que realmente importa, e comemorar os momentos bacanas quando eles acontecem. E sorrir e abraçar as pessoas que fazem a sua vida melhor, quando elas cruzarem o seu caminho. E celebrar os bons sentimentos quando eles surgirem, muitas vezes inesperadamente.
A gente supervaloriza as grandes conquistas, as metas graúdas, e com frequência esquece de cuidar do que é mais importante – as coisas como elas estão acontecendo hoje em sua vida. As sensações que você está tendo nesse instante – seja para mudar o que não está bom ou para ampliar o que está dando certo.

A vida não começará quando você atingir esse ou aquele objetivo que você se colocou. A vida não ficará melhor quando você chegar . (Não existe esse lugar. Trata-se de um engano. Só existe o aqui. Só existe o agora.)
Lembra dos livros na estante? A vida é o processo de arrumá-los. Todo dia. Sabendo que a cada novo despertar será preciso arrumá-los de novo, e continuar arrumando, para sempre. Com denodo, carinho e leveza.