De filho para pai

Era hora do adeus. Três passos de distância, uma história, duas vidas inteiras entre nós.

Eu sentia seu cheiro e olhava seus olhos. Via-me nascendo e você me segurando enquanto chorava. Assistia aos meus primeiros passos, ou melhor, tombos, quando a firmeza ainda ausente exigia suas mãos envolvendo as minhas. Escutava-me dizendo, em uma língua que somente pais e filhos compreendem, minhas primeiras palavras, assim como ouvia as primeiras broncas. Dois passos de distância.

Mais próximos agora, ainda em teus olhos encontrava-me na escola, lugar onde você sempre fora exemplo. Será que eu também o seria? Tentei e me pegava lutando e me esforçando, buscando refletir o seu brilho.

Sentia, então, o frescor da grama tocando meus pés descalços, enquanto aguardava, ansioso, pelo seu passe, para, enfim, dar meus primeiros chutes em uma bola de futebol. Eu era uma negação, mas você, mestre, ensinou-me.

Via-me sendo levado à igreja e aprendendo de você que a melhor religião é fazer o bem e viver com amor. Espero ter aprendido. Um passo entre nós dois.

Já crescido, via-me voando quando um país se fez pequeno para meus sonhos que você me ajudou a plantar. Colhi contigo ensinamentos, escolhendo entre as ervas daninhas qual o melhor caminho a seguir. Trilhei seus rastros, pegadas intactas de um passado bem plantado. E voei de volta para ti assim que percebi que você era meu lar. Nenhum passo entre nós. Encontrei-me renascendo em seus braços.

Não via mais seus olhos, mas, com os meus fechados, escutava seu coração em sintonia com o meu. Ritmo acelerado, dramático, que derrubava lágrimas, regando a saudade já grande antes mesmo da partida. Guiado pelas batidas do coração, não via mais o passado. Ele me mostrava, ali, o presente e o futuro, homem crescido, trazendo consigo o que contigo aprendeu. Ser consciente, cabeça pensante, ainda distante do destino que escolheu. Mas, naquele momento, eu sabia que meu caminho seria de sucesso, pois eu te escutava quando você me falava e, se cheguei até aqui, é porque você sabia o que dizia. Três segundos, dois, um.

"Você sabe que eu te amo, certo?"

Com essa frase, deixei você partir de volta ao seu caminho, enquanto o meu, agora se distanciando, seguirá sempre se cruzando com seus passos menos apressados, para, em um futuro não tão distante, retomarmos a mesma estrada. Espero te orgulhar, pai.

Vitor do Carmo Martins
Enviado por Vitor do Carmo Martins em 11/08/2018
Código do texto: T6416110
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