Para que serve a inteligência, se o homem fosse dominado pelo poder do destino?
Necessário se faz que se compreenda o verdadeiro significado de arbítrio para que possamos adentrar a esse tema de fundamental importância nas raízes de ensinamento e doutrinário da literatura espírita. Arbítrio significa resolução que dependa só da vontade, o que nos leva à conclusão de que livre arbítrio determina a decisão livre, sob os auspícios da vontade livre, consciente e sem vícios de cada um. Que sendo certo determinará também a força e o valor do resultado em razão da conduta livre e opcional de cada ser.
O Espírito desligado da matéria, no estado errante, faz a escolha de suas futuras existências corpóreas segundo grau de perfeição que tenha atingido. É nisso, como já dissemos que consiste sobretudo o seu livre arbítrio. Essa liberdade não é anulada pela encarnação. Se ele cede à influência da matéria, é então que sucumbe nas provas por ele mesmo escolhidas. E é para ajudá-lo que pode invocar a assistência de Deus e dos bons Espíritos.
Sem o livre arbítrio o homem não tem culpa do mal, nem mérito no bem; e isso é de tal modo reconhecido que no mundo se proporciona sempre a censura ou o elogio à intenção, o que quer dizer à vontade; ora, quem diz vontade diz liberdade. O homem não poderia, portanto, procurar desculpas no seu organismo para as suas faltas sem com isso abdicar da razão e da própria condição humana, para se assemelhar aos animais. Se assim é para o mal, assim mesmo devia ser para o bem. Mas, quando homem pratica o bem, tem grande cuidado de consignar o mérito a seu favor e não trata de atribuí-lo aos seus órgãos, o que prova que instintivamente ele não renuncia malgrado a opinião de alguns sistemáticos, ao mais belo privilégio de sua espécie: a liberdade de pensar.
A fatalidade, como vulgarmente é entendida, supõe a decisão prévia e irrevogável de todos os acontecimentos da vida, qualquer que seja a sua importância. Se assim fosse, o homem seria uma máquina destituída de vontade. Para que lhe serviria a inteligência, se ele fosse invariavelmente dominado, em todos os seus atos, pelo poder do destino? Semelhante doutrina, se verdadeira, representaria a destruição de toda liberdade para o homem, nem mal, nem crime, nem virtude. Deus, soberanamente justo, não poderia castigar as suas criaturas por faltas que não dependiam delas, nem recompensá-las por virtude de que não teriam mérito. Semelhante lei seria ainda a negação da lei do progresso, porque o homem que tudo esperasse da sorte nada tentaria fazer para melhorar a sua posição, desde que não poderia torná-la melhor nem pior.
A fatalidade não é, entretanto, uma palavra vã; ela existe no tocante à posição do homem na Terra e as funções que nela desempenha como consequência do gênero de existência que seu Espírito escolheu como prova, expiação ou missão. Sofre ele de maneira fatal todas as vicissitudes dessa existência e todas as tendências boas ou más que lhe são inerentes. Mas a isso se reduz a fatalidade, porque depende de sua vontade (livre arbítrio) ceder ou não a essas tendências.