A um filho ingrato de um pai que sempre esteve presente
Ainda lembro da primeira vez que te vi - momento eterno, na verdade. Linguinha de fora, rostinho vermelho, um sonho materializado em bebê. Lindo demais! O tempo passou um pouco, cantava pra você dormir, empurrava o carrinho feliz, orgulhoso do lindo menino. Um pouco depois os pedidos de colo do garoto que não gostava muito de andar - acó papai, acó... O coração doía e você subia, meu único. Então vieram os carrinhos (ah... Os carrinhos!) e o Lego. "Papai faz um barco, agora um robô. Não, um navio." Uma, duas, dez vezes. Não importava, eu estava feliz com meu pequeno. Chegou a vez da bola, brincar de cavalinho, você lembra? Quero pensar que sim. Corridas para o Pronto Baby, primeiras idas ao estádio, cinema, brincar, brincar, brincar. Época do Pai Herói. Ah, meu único, quanta saudade! Agora, adolescente, como dói te ver distante, não me escutar e ser tantas vezes agressivo com o pai já de meia idade! Sabe, ainda te amo, sou teu amigo; pelo menos quero ser. Já não posso - nem você quer - te pegar no colo, passou o tempo dos carrinhos, lego, cavalinho, mas ainda tenho tanto a dar, ensinar, amar... Acaso me tornei supérfluo, imprestável, estorvo, inútil? Não, meu único, não poderei ir contigo ao futuro, não fisicamente, mas sempre estarei em algum lugar dentro de você. O pai vive no filho; o filho ainda viverá no Pai? Sempre te amarei e uma espada fura meu coração em cada grosseria, na indiferença e na gratidão. Por tudo isto, meu filho, às vezes penso em te oferecer mais uma lição: se já cansa, irrita minha presença, te dou minha ausência. Talvez note enfim o que estás perdendo enquanto amadurece. De um pai a um filho tantas e tantas vezes ingrato.