A sagrada política
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A seguir, o mesmo texto, mas sem formatação por razões de restrição técnica do site:
Em tempos de operação Lava Jato, crise na segurança pública como jamais vista, inclusive com a decretação de intervenção federal em Estado-membro, e até mesmo da iminência de imposição de cárcere a ex-comandante da República, deparei-me, durante minha liturgia diária, com passagem bíblica que a mim pareceu calçar como uma luva em relação a nossa atual classe política, diga-se, nossos “fiéis” – em sua maior parte talvez somente ao voto – representantes democraticamente (será mesmo?) eleitos.
Trata-se do capítulo nª 23 do Evangelho segundo Mateus, primeiro livro do Novo Testamento e que nos apresenta relatos da vida, ministério, morte e ressurreição de Cristo.
Pedindo a licença de transcrever trechos do sagrado livro e negritar as identidades fáticas que me pareceram mais pertinentes, seguem-se os apontamentos:
Mateus 23
(Cristo fala)
1 Então falou Jesus à multidão, e aos seus discípulos,
2 Dizendo: Na cadeira de Moisés estão assentados os escribas e fariseus.
3 Todas as coisas, pois, que vos disserem que observeis, observai-as e fazei-as; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não fazem; (duvidas das inúmeras promessas eleitoreiras não cumpridas?)
4 Pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles, porém, nem com seu dedo querem movê-los; (afiada é a faca das propostas legislativas que atingem cabalmente os mais miseráveis, sem, contudo, cortar da própria carne)
5 E fazem todas as obras a fim de serem vistos pelos homens; pois trazem largos filactérios, e alargam as franjas das suas vestes, (as propagandas de cunho eleitoreiro voltadas tão somente à futura e provável captação de sufrágios)
6 E amam os primeiros lugares nas ceias e as primeiras cadeiras nas sinagogas, (suas destacadas presenças em solenidades de toda estirpe são por eles sempre aspiradas, mormente quando contam com a participação maciça dos meios de comunicação de massa)
7 E as saudações nas praças, e o serem chamados pelos homens; Rabi, Rabi. (Rabi, o mesmo que Rabino, possui para a doutrina judaica o significado de professor, mestre, grande. Olvida-se que tais títulos afaga-lhes demasiadamente o ego?
Todavia, eis que para nossa sorte - ou nossa infelicidade - Cristo afirma:
8 Vós, porém, não queirais ser chamados Rabi, porque um só é o vosso Mestre, a saber, o Cristo, e todos vós sois irmãos.
9 E a ninguém na terra chameis vosso pai, porque um só é o vosso Pai, o qual está nos céus.
10 Nem vos chameis mestres, porque um só é o vosso Mestre, que é o Cristo.
11 O maior dentre vós será vosso servo. (A Deus, portanto, não importa o cargo, o poderio político ou a capacidade de angariar votos. Sempre serás servo)
12 E o que a si mesmo se exaltar será humilhado; e o que a si mesmo se humilhar será exaltado.
13 Mas ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que fechais aos homens o reino dos céus; e nem vós entrais nem deixais entrar aos que estão entrando. (Fez-me lembrar o enclausuramento político perpetrado por muitos da classe, inclusive através do uso de artimanhas e argumentos falaciosos tendentes a impedir o acesso de novos postulantes aos cargos políticos)
14 Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que devorais as casas das viúvas, sob pretexto de prolongadas orações; por isso sofrereis mais rigoroso juízo. (O oportunismo parece mesmo caminhar lado a lado com o nosso jeito de fazer política)
15 Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito; e, depois de o terdes feito, o fazeis filho do inferno duas vezes mais do que vós. (Da mesma forma a hipocrisia desenfreada de nossos representantes (direita, esquerda? Não, poder é o que verdadeiramente almejam)
16 Ai de vós, condutores cegos! pois que dizeis: Qualquer que jurar pelo templo, isso nada é; mas o que jurar pelo ouro do templo, esse é devedor. (Recorda-me o assalto diário aos cofres públicos)
17 Insensatos e cegos! Pois qual é maior: o ouro, ou o templo, que santifica o ouro? (Por certo, muitos titubeariam na reposta)
Prossegue Jesus acerca dos malfadados juramentos (aliás, todos eles fazem a jura solene perante o povo brasileiro ao assumir o cargo para qual foram eleitos)
18 E aquele que jurar pelo altar isso nada é; mas aquele que jurar pela oferta que está sobre o altar, esse é devedor.
19 Insensatos e cegos! Pois qual é maior: a oferta, ou o altar, que santifica a oferta?
20 Portanto, o que jurar pelo altar, jura por ele e por tudo o que sobre ele está;
21 E, o que jurar pelo templo, jura por ele e por aquele que nele habita;
22 E, o que jurar pelo céu, jura pelo trono de Deus e por aquele que está assentado nele.
23 Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que dizimais a hortelã, o endro e o cominho, e desprezais o mais importante da lei, o juízo, a misericórdia e a fé; deveis, porém, fazer estas coisas, e não omitir aquelas. (De fato, o desprezo pelas normas e mandamentos legais, éticos e morais aparenta ser requisito para investidura no cargo)
24 Condutores cegos! que coais um mosquito e engulis um camelo. (O bel-prazer político)
25 Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que limpais o exterior do copo e do prato, mas o interior está cheio de rapina e de intemperança. (Que aliás parece não ter fim)
26 Fariseu cego! limpa primeiro o interior do copo e do prato, para que também o exterior fique limpo. (Será mesmo o arrependimento uma de suas virtudes?)
27 Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundícia. (Quantas vezes as aparências não nos enganaram, esvaindo nossa esperança por dias melhores?)
28 Assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas interiormente estais cheios de hipocrisia e de iniqüidade.
(Seguem-se mais dez versículos) e finaliza Cristo ao final do capítulo:
39 Porque eu vos digo que desde agora me não vereis mais, até que digais: Bendito o que vem em nome do Senhor.
Observa-se, portanto, que a senilidade da palavra de Deus é evidenciada apenas em relação ao tempo em que fora escrita. Sua adequação, no entanto, é sempre hodierna.
A depender das vicissitudes de nossa classe política, confesso que sou um tanto quanto cético acerca da possibilidade de uma felicidade vindoura à sociedade brasileira, afinal, tenho fundadas dúvidas se nossos representantes leem as sagradas escrituras.