Provavelmente você não vai entender
O dia amanheceu, mas ainda quando lusco-fusco eu estava acordada e ninguém mais, ninguém mais que eu soubesse. Talvez houvessem pessoas que não tinham ido dormir, e pessoas que apenas esqueceram de acordar, nas suas despersonalizações, essas que movimentam o mundo. O mundo de todos nós, mas não o delas. E foi nessa sensação de sonhar acordada que me peguei naquela manhã. Pensei em que órbita estaria girando a minha bolha de conforto, ou seria eu apenas uma lua de uma vida fictícia forjada pelas mãos de Deus. Pensei também no quão feliz e movimentada era a vida dos que me cercavam, mas a minha; ela tinha estagnado. Tinha estagnado quando parei de frequentar a escola a dois anos, também quando não atendia mais as ligações dos meus amigos. Tinha parado quando passei a abrir a porta de casa apenas para os meus pais que raramente me visitavam, agora não mais, ela parou quando eu parei.
A metáfora que nos circunda.
A vida que vemos, onde todos os outros estão melhores, mas no fundo ninguém sabe o que está fazendo, todos temos inseguranças, arrependimentos e principalmente vontades. Essas que nos falam tanto para concretizar antes da vida acabar, porque ela é curta ou será que é por quê nossas doenças são terminais? As vontades tão distantes.
Tudo sendo observado, pelos olhos de que quem nem enxerga. Enxergar que é uma habilidade tão pessoal, só nós mesmos enxergamos a nós mesmos, da maneira crua e cruel, da maneira certa e errada ao mesmo tempo. Na análise final somos um compilado do que enxergamos e de como somos vistos...o que é fucked up já que ninguém realmente vê além de si mesmo.
E o tempo passou de forma linear como esperamos, num momento me vi já velhinha, com as feições que lutamos contra na juventude, rugas, o couro já flácido e lentamente deixando a ossada, mas não tive medo. Senti a paz de estar próxima ao maior mistério da vida, o antônimo. Não tinha netos, nem filhos, tinha a mim mesma e as memórias de uma vida pouco aproveitada porém vivida em plenitude, arrependimentos não tinham mais o mesmo peso e minha única vontade era desligar a luz. Meu corpo não me trazia mais inseguranças, nem as minhas habilidades que agora nem tinham mais utilidade.