Neutralidade

Não espere grandes oportunidades pra fazer o bem, comece com o que você tem! (fatos reais)

Volta e meia eu o vejo pela cidade com uma mala grande nas costas, onde parece carregar a vida inteira.

Nos olhos nunca consegui ver o que tem, anda sempre de cabeça baixa, não se atreve a olhar pra alguém.

Sandálias empoeiradas, roupas sujas e gastadas, mas apesar da simplicidade parece ostentar grande sabedoria, não a contida em livros, desses, desconfio nunca ter tido acesso. Mas sabedoria de vida, de mundo, de gente, e sabe do mal que estas podem causar.

Ele é peça neutra na sociedade, ele não pertence a nenhum lugar ou classe.

Ele também não cheira bem, e pelo passo minucioso, não enxerga muito além, nisso recebe reciprocidade, porque ninguém o enxerga também.

Há alguns anos atrás, via ele com frequência, ao menos duas vezes na semana, quando eu ainda trabalhava em um hospital público onde ele ia toda noite para dormir.

Chegava, tirava da bolsa um colchonete, um cobertor e deitava bem próximo à porta central, acho que tinha medo que alguém lhe fizesse mal, e com o fluxo permanente de pessoas ali, era pouco provável que alguém tentasse. Não incomodava ninguém, não pedia nada, deitava e dormia a noite inteira. Por volta das cinco da manhã levantava, lavava-se na torneira do pátio e seguia seu caminho.

Por algumas vezes, bem poucas, enquanto ele ia se lavar, eu deixava café e biscoitos. Ele olhava ao redor desconfiado, depois comia.

Ainda me pergunto, por que não fiz todas as vezes? Por que deixei de lhe fazer o bem quando tive oportunidades?

Depois que parei de trabalhar lá, por várias vezes, quando eu o encontrava na rua, queria ao menos oferecer um sorriso, mas ele jamais me ergueu o olhar.

Mas um dia desses, quando saia de um supermercado dei de cara com ele, esbarrei-o e mesmo assim não olhou em mim. Então eu estendi a mão e dei a ele um bombom que havia recebido de troco, só então ele olhou de relance no meu rosto, sorriu,agradeceu, sumindo em seguida na penumbra da noite que começava chegar.

Não sei se aquele pequeno ato significou pra ele, mas para mim valeu o meu dia.

Fazer o bem talvez seja isso: Oferecer de bom grado e incondicionalmente aquilo que se tem, mesmo que seja um bombom, uma flor, um sorriso... O importante é espalhar o bem.

Luciana Eleoterio
Enviado por Luciana Eleoterio em 13/06/2017
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