Notas sobre o tempo
Notas sobre um tempo, o tempo de uns e o tempo de outros. O tempo da visão do presente e o tempo da visão do passado. Vivemos o presente, e não é possível retratar ou reviver o passado. Nem um e nem outro pode questionar um passado. A vida não acontece no passado ou no futuro, ela acontece neste exato momento (Cabala).
E as notas podem dar ideia de tópicos de analise, ou tópicos sonoros de um momento. Cada momento pode ter uma nota de musica e uma nota de conhecimento. As notas das canções e as notas de um perfume, notas cítricas com traços de madeira. Um perfume ou um aroma que passa pode remeter pensamentos ao passado.
Mikao Usui fez seu retiro no topo de uma montanha. Sidharta Gautama meditou debaixo de uma árvore. E foi debaixo de uma macieira que Isaac Newton teve sua maior inspiração.
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Moisés personagem no Velho Testamento passou quarenta anos no deserto. Jesus Cristo personagem do Novo Testamento passou quarenta dias no deserto. Dois momentos da Bíblia, um conjunto de livros, retratando personagens diversos em tempos diferentes, com idades diferentes, em locais diferentes. O deserto tanto para Moisés, quanto para Jesus Cristo, teve um significado de observação e reflexão, a busca de uma consciência, a busca de uma inspiração. O tempo que foi necessário para um, foi muito mais que suficiente para outro. O tempo de um (Moisés) foi mais que a vida do outro (Cristo). Enquanto Moises levou quarenta anos para descobrir sua missão, Jesus Cristo precisou apenas de quarenta dias para descobrir uma missão. Ainda que a missão de Moises tenha sido no próprio deserto, a de ambos foi de conduzir multidões. Escritores e pensadores, por muitas das vezes passam por um longo ou breve exílio, para escrever suas memórias e conduzir multidões.
Quarenta anos para um e quarenta dias para outro. Uma crise e uma reflexão aos quarenta anos, ou uma crise e reflexão a cada quarenta dias. Cada um tem as suas interpretações. Cada um tem seu tempo, suas histórias e suas geografias. E o coletivo com suas sociologias e suas psicologias. O Novo Testamento pode ser encarado como uma releitura do Velho Testamento. E testamentar os dois Testamentos bíblicos, pode dar uma nova visão para o presente.
Uns podem precisar de alguns poucos dias, e outros podem precisar de longos anos. Uns podem precisar de um deserto e outros podem precisar de um sertão. As idades podem ser tal como a de Moisés, a de Noé ou a de Jesus Cristo. E Antonio Conselheiro por um bom tempo andou vagando pelo sertão. Andou a pé por caminhos, estradas e trilhas do estado do Ceará ao estado da Bahia, entre caatingas, veredas e sertões, em busca de um lugar para executar sua missão. Fundou uma cidade e uma comunidade. Como Jesus Cristo, foi julgado e condenado, pela política reinante da época, e sem perdão. Com uma gênese Conselheiro deu início sua missão. E com seu arraial em chamas terminou sua missão, tal como em um apocalipse.
E a tal chegada de Jesus Cristo que foi anunciada pela Estrela de Belém, o meteorito Bedengó anunciou a chegada de Antonio Conselheiro, na Bahia. Outro meteorito que caiu na Argentina, anunciou a chegada de um novo Papa, com novas ideias. A Bíblia é muito mais que um livro religioso, é um tratado de sociologia e comportamento. E cada qual interpreta pelo conhecimento que tem, enquanto outros têm a necessidade de aprender pelo conhecimento e interpretação de outros. Com ideias de outros formatam seus pensamentos. Meteoritos podem cair todos os dias e lideranças épicas podem nascer em algum lugar.
Um dos personagens de Garcia Marquez, em Cem Anos de Solidão não atravessou um deserto, e nem atravessou um sertão. Embaixo de uma árvore, sentado e amarrado fez suas reflexões silenciosas. O velho pai ou o velho sogro que mora no quartinho dos fundos, ou simbolicamente na casinha do cachorro, também tem um espaço, e seu tempo para suas velhas e antigas reflexões. Reflexões que vieram com o tempo para refletir um novo tempo. Noé passou seu tempo de reflexão durante um dilúvio. Esperou a chuva parar e as águas baixarem. O dilúvio pode ter sido um de seus tempos de reflexão.
Todo comandante de navio tem seu espaço de reclusão, Noé não deixaria de ter, enquanto aguardara parar a chuvas, seu conhecimento seguia embarcado, com suas crias e suas criações. Noé tal como Gilgamés, também se recolheu em um navio, por longos dias de tempestade. Uma travessia oceânica de hoje pode ser um deserto para os embarcados. Assim como percorrer um caminho, como o de Santiago de Compostela.
A ideia do homem idoso com experiência e sapiência vem de um velho tempo, quando a vida era uma mesmice, aos olhos de hoje. Todos os dias eram iguais, com as mesmas tarefas e as mesmas pessoas. Tudo podia acontecer em uma aldeia. Aquele que viajava para outras aldeias ainda podia obter um conhecimento maior.
Tudo podia acontecer também em volta de uma praça. Com uma igreja, uma escola, um armazém, e as pessoas andando em circulo em volta da praça. Com um cenário simples, era fácil ter um grande conhecimento, para um bom observador. Bastava sentar em um banco de praça e ver as pessoas circulando. Conversando,
gesticulando e abordando outras pessoas. E por conhecer uma maioria em uma praça, tinha o conhecimento da história de cada um, a partir de seus pontos de vista.
Outros por sua vez seguem sua vida, como a vida do quartel, obedecendo a uma corneta, olhando para frente e marchando sempre em frente, marchando sempre em frente, por poucas vezes parados marcando passo, para uma nova missão.
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Hoje uma tecnologia move o mundo, e a criança já tem contato com esta tecnologia desde o útero materno, quando a mãe é submetida a uma ultrassonografia. Na primeira infância já tem contado com equipamentos, e relacionamentos em TICs. Nem o relógio tem mais seus ponteiros girando em torno de um ponto. O adolescente de hoje acompanha os últimos lançamentos de tecnologia como gerações anteriores acompanhavam um lançamento de carro.
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Uma grande maioria das pessoas se comporta como os ponteiros de um relógio. Usam boa parte de seu tempo para olhar quem esta a sua volta, e tecer criticas ao seu comportamento, criticas aos seus objetivos e criticas a um futuro que ele mesmo não chegou. Ficou circulando em torno das horas. Falam de um tempo que já passou. Não participou de um novo conhecimento. E baseado nos seus antigos conhecimentos, tentam impor suas velhas ideias àqueles que possuem os novos conhecimentos. Impor pelo uso da força e da voz mais alta, ancorados na visão secular dos mais velhos como o dono da sabedoria. Gritam e aceleram seu coração correndo o risco de entupimentos vasculares por excesso de impurezas sanguíneas acumuladas ao longo da sua história.
E estas pessoas assistem a vida como se olhassem uma janela. Partem do mesmo principio de sentar em um banco de praça. Observam um presente criticando um passado, que não viram e não viveram. Analisam lapsos de tempo de quem passa em sua janela, como bons gestores de suas vidas e das vidas alheias. A janela mais moderna que podem olhar é uma televisão. Poucos chegam a olhar a janela mais moderna do mercado que é o computador, com janelas abertas para o mundo.
Acreditam que a vida é uma novela, onde podemos saber tudo sobre todos. A novela que podemos até imaginar o capitulo seguinte, sabendo o que pensa um e outro personagem. Acreditam poder dar palpite na vida do personagem e nem
percebem que estão conduzidos pelo autor. E tentam criar novelas usando os personagens á sua volta.
Ainda as mesmas pessoas, sentam em uma poltrona para assistir uma televisão, criando ideias e criticas a partir do que é mostrado na televisão. Não se preocupam em mudar de canal, ler um jornal ou ler uma revista, obsevar outros pontos de vista. Acreditam enxergar a vida dos outros como um olhar na janela ou assistir uma televisão.
Acham-se capazes de julgar outros em alguns minutos de observação, como analisar uma cena de novela sem conhecer o enredo da historia. Uma cena que pode ter levado uma vida, algo que levou tempo para ser construído. Julgam o outro tal como julgam uma tela de televisão. Não imaginam o trabalho que há entre organizar elencos, montar palcos, fazer ensaios e montar uma transmissão.
Tudo é muito simples, para aquele que sentado em uma poltrona como o dono do mundo fazer a critica do que não viu, e não participou da construção. Ainda que tivesse conhecimento da montagem de um espetáculo, pouco serviria a sua percepção.
O resultado da televisão chega ao aparelho de TV, chega com uma imagem viva, e não é para julgamento. É para ocupação do tempo de quem não tem tempo para construir uma história e colocar na televisão. Pequenos conceitos enlatados são exibidos nas telas, sob o ponto de vista dos objetivos da empresa e da política televisiva.
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Uma minoria das pessoas faz diferente. Constrói seu próprio cenário e sua própria historia. Cenários e histórias construídos ao longo do tempo, e no tempo, em espaço aberto, que vez por outra podem sofrer chuvas torrenciais e vendavais. Não desistem dos desastres causados e provocados pelas intempéries. Param, observam e reconstroem. Analisam as novas condições climáticas. As direções dos ventos. Partem em novas direções.
Mudam os rumos de suas vidas e suas histórias, e escrevem novas histórias. Criam sua faculdade e frequentam a sua própria faculdade. Criam um produto, e promovem a propaganda do seu produto, fazem tudo sem o capital, sem dinheiro, apenas com o capital que possuem; um capital de conhecimento.
Escrevem novas historias, constroem abrigos de palco mais protegidos, lembram-se de vendavais passados pela passagem de ventos em pequenas brechas
necessárias a ventilação. E sempre haverá um vento para soprar e assobiar ao passar por pequenas brechas na tentativa de um novo palco derrubar.
A vida não é só conhecimento, a vida é arte também. E aqueles inseridos em artes e culturas podem lidar melhor com o conhecimento.
Texto disponível em:
http://www.publikador.com/espiritualidade/maracaja/2014/10/notas-sobre-o-tempo/
Rio de Janeiro/RJ ─ 17/10/2014