Sou ar, Brisa e Vento

 
Houve um tempo que corria meus olhos na multidão para observar maneiras; julgava, ria, me irritava...Mas depois de tanta observação entendi que não olhava nada mais que meu reflexo, a multidão era um espelho, o rio de Narciso, que não via os traços tortos de si mesmo. E quando vi os traços feios de meu rosto, fui tão vaidoso quanto quando me achava belo!
Me feri na culpa de ser o pior entre os piores e no flagelo de minha vaidade vi todos os meus arrimos sucumbirem, minhas verdades foram soterradas nos escombros de minha alma destroçada por minha ignorância.
Demorei a perdoar minhas falhas e me alegrar com meus acertos, eu estava no cansaço de habitar o charco; uma lótus beirando o Nilo, escorregando no lodo e respingado pelos meus erros mesquinhos, e todos que me feriam passaram a ser a expressão da vingança da vida, vingança que eu fiz por onde merecer, vingança minha mesmo, pois no lodo eu não estava só; milhares de lótus carnívoras não aceitavam minha rendição...
O que me restou foi um sacrifício de segregação... Atolei meus pés na lama e arranquei a lótus das margens do grande rio abençoado por Kemi, esmaguei ela nas mãos e a atirei nas águas sagradas do Jordão...
Já não julgo o homem por chorar mesmo tendo as bençãos da vida, já não odeio as maneiras inventadas para morrerem sufocados nas pétalas de uma rosa apenas, escaravelhos da nova era?
Não sei, não consigo achar mais nada, apenas entendo o porquê de Jesus ser encontrado entre os espinhos da paixão; condenamo-lo a sentar-se na beirada da sofrida estrada, pois é o caminho que escolhemos para a iluminação, fazemos propaganda de sabedorias, de vitorias, de belezas, assumimos vaidosos nossos imperdoáveis erros, mas é só na face da dor, no fio da navalha do sofrimento que vemos realmente o quanto podemos ser nobres, e por isso é na estrada da dor, na vereda estreita que nos espera o verdadeiro amor, o médico dos médicos que cura nossas chagas...
Eu já não marino mais no caldo da violência de meus amigos, me concentro em fazer de meu ímpeto violento uma qualidade que me servirá na guerra santa, e minha égide já não é mais esconderijo.
Hora de domar a avidez na correnteza que verteu de uma vez...Hora de assumir o controle, de se proteger dos açoites...Hora de entender que o arrojo do guerreiro não torna de aço seu corpo. Posso me ver escopo do próprio defeito! Perversamente venusto quando reluz na luz do dia... Toleirão quando materializa a poesia e sente paixão...
Um revérbero de Narciso olhando estrelas e contando cometas. Hora obscura, quando o lírico “ser” compreende a necessidade da armadura...A malha de ferro não deve ser pele, mas o paládio cobrindo o que se fere...
Coragem matizada com perspicácia e estratégia, ser de si mesmo amigo e o coração pode ser de carne e não mais empedernido!
Eu já dei o que os lobos queriam... Façam eles o que quiserem com minhas roupas, com minhas carnes e todos os cadáveres que dei para Mãe Terra como adubo, que façam o que achar melhor com meus manuscritos empoeirados cheios de veneno e de ilusões; eu não me importo e eu não lamento cada decisão que tomei, pois fazem o que quiserem com os derivados da verdade estilhaçada, um espelho cósmico que tudo originou quando se espatifou na singularidade do “Al di lá”.
Eu entrego para a vida a estaca que empala o vampiro, não mais me responsabilizo, que comam o que findo é, pois eu vou ventar com a eternidade, e isso ninguém pode me furtar, pois sou espírito, muito mais que nome, carne e sangue, eu sou muito mais que paginas de livros; eu sou espírito, sou como ar; ninguém pode me parar, me reter nas mãos, me impedir de existir... Quem pode parar de respirar sem morrer?
Ninguém pode me segurar no peito sem que os pulmões explodam...
Quem quiser seguir comigo terá de reaprender a ser amigo e se redescobrir existindo também como ar, muito mais que só nomes, trapos, carne, nervos sangue e maldade...
Eu já não julgo, mas não mais adulo, findou o tempo das caveiras, das rosas envenenadas e secas; findou-se os castelos e as passagens secretas soterradas por escaldantes areias, vampiro algum, que baba sedento na madrugada em busca de artérias e veias, será ossos de meu oficio, a estaca está nas mãos do “Eu” sagrado, ou se permite a si mesmo ou pelas próprias mãos será empalado!

 
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Noah Aaron Thoreserc
Enviado por Noah Aaron Thoreserc em 10/08/2015
Código do texto: T5341370
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