Na sombra
Num destes dias, após uma conversa breve, entre 2 pessoas, entre 2 desconhecidos que se encontraram ao acaso, no mesmo ponto de trabalho, aprendi mais uma lição, daquelas que fazem arrepiar o corpo, por inteiro.
Pela manhã, bem cedo, chegou-se a mim um rapaz, da mesma idade que eu, um dos muitos que se encontram por cá (no país onde me encontro actualmente, África do sul) como "trabalhadores temporários". aos quais sou encarregue de supervisionar. Trabalham nas 2 semanas em que cá se faz uma "promoção" na loja, quando há mais oportunidades de venda, dinheiro e clientes. O pós "fim-de-mês". Perguntou-me ele: "Desculpa, há algo mais que possa fazer? (relativamente ao trabalho...)"
Apenas lhe disse: "Há sempre algo mais a fazer...o trabalho não procura por ti." - com cara e tom de voz grave.
Ficou ele entristecido, e ao perceber isso, perguntei: "Continuas a estudar? Qual o ano de escolaridade mais elevado que concluíste?"
Disse ele, o "Lucky": " 12 ano, em 2012..."
Questionei de novo: "Não pensaste em prosseguir os estudos? Sei lá, para tentares aprender mais e teres algo melhor que um trabalho part-time?" Ao que me responde:
"A minha MÃE e o meu PAI morreram ambos em 2012, fiquei apenas com a minha Avó e os meus 3 irmãos. Tivemos de deixar o Zimbabwe e procurar trabalho...preciso do dinheiro para começar a estudar de novo."(Fiquei sem resposta por minutos...)
Incentivei-o a guardar cada "tostão" que ganhasse, cada extra, quando lhe fosse possível, e prosseguir se o desejo dele fosse mesmo aprender mais. Disse-lhe ainda:
- "Mesmo que não gostes do que estás a fazer actualmente, do teu trabalho, de não teres algo fixo na tua vida, fá-lo pelo teu desejo de ser alguém, de ser mais, pelos teu pais, por ti! Sacrifícios são necessários. Guarda o teu dinheiro e investe em ti."
E falamos um pouco mais. Mas perguntei algo que achei necessário, mesmo no meio de tanta dor:
-"Tens saudades dos teus pais?"
Lucky respondeu: " Muitas, muitas saudades. São o que mais preciso neste mundo. Tenho muitas saudades deles..." (de sorriso gigante e olhos tristes).
Enfim, fica realmente fácil agir como quem tudo pode quando não se sabe a história que cada um carrega, o passado dos outros, a vida que se viveu antes. E fica ainda mais fácil conviver ao falar quando se sabe do que se fala. Porque julgamos tanto, a quem tem tão pouco?
Aprendam: Cada um, na sociedade, tem uma história que não se conhece, que depois se sabe, e tudo se entende. Há sempre alguém, talvez, com problemas piores que os teus. Porque falar é fácil, procura saber se te faz feliz.