O neurologista e escritor Oliver Sacks divulgou um belo texto na última quinta-feira.
Após descobrir que está morrendo, Oliver Sacks resume a doença, fala sobre como enxerga o “breve porvir” e oferece reflexões emocionantes.
Não há revolta nem aflição. O texto é muito consciente, lúcido, com um profundo toque poético (sem jamais ter essa pretensão).
Gostei demais da parte que ele destaca a possibilidade de aproveitar o resto do tempo também com tolices.
Considerei fascinante o não mais acompanhar as notícias do momento porque esse exercício de cidadania o qual ele tão bem praticou agora passará a pertencer aos novos cidadãos, aqueles que ficam na Terra.
Oliver Sacks foi brilhante no final.
Considerou a oportunidade de sentir e pensar, enquanto estamos vivos, um magnífico privilégio. Além disso, uma envolvente aventura na qual nós amamos, realizamos, edificamos, conseguindo, depois da inevitável despedida, tornar a preciosa lição um rico exemplo.
* Nesse instante cessam minhas tolas observações.
Dessa vez quero apenas abrir espaço para o texto principal.
Vale a pena conferir as inspiradas palavras de Oliver Sacks:
Após descobrir que está morrendo, Oliver Sacks resume a doença, fala sobre como enxerga o “breve porvir” e oferece reflexões emocionantes.
Não há revolta nem aflição. O texto é muito consciente, lúcido, com um profundo toque poético (sem jamais ter essa pretensão).
Gostei demais da parte que ele destaca a possibilidade de aproveitar o resto do tempo também com tolices.
Considerei fascinante o não mais acompanhar as notícias do momento porque esse exercício de cidadania o qual ele tão bem praticou agora passará a pertencer aos novos cidadãos, aqueles que ficam na Terra.
Oliver Sacks foi brilhante no final.
Considerou a oportunidade de sentir e pensar, enquanto estamos vivos, um magnífico privilégio. Além disso, uma envolvente aventura na qual nós amamos, realizamos, edificamos, conseguindo, depois da inevitável despedida, tornar a preciosa lição um rico exemplo.
* Nesse instante cessam minhas tolas observações.
Dessa vez quero apenas abrir espaço para o texto principal.
Vale a pena conferir as inspiradas palavras de Oliver Sacks:
Há um mês, senti que estava com boa saúde, até mesmo uma saúde robusta. Aos 81 anos, ainda podia nadar uma milha por dia. Mas minha sorte mudou. Semanas atrás, descobri que tinha metástase múltipla no fígado. Há nove anos, descobri que tinha um raro tumor no olho, um melanoma ocular. Embora a radioterapia e o laser para remover o tumor tenham me deixado cego desse olho, apenas em casos muito raros esse tipo de tumor pode se tornar metástase. Eu estava entre os 2% sem sorte.
Sinto-me agradecido por ter tido nove anos de boa saúde e produtividade desde o diagnóstico original, mas agora eu estou frente a frente com a morte. O câncer ocupou um terço do meu fígado e, apesar de seu avanço ocorrer de maneira lenta, esse tipo particular de câncer não pode ser contido.
Cabe a mim, agora, escolher como viver os meses que me restam. Tenho de viver do modo mais rico, profundo e produtivo que puder. Nesse contexto, sou encorajado pelas palavras de um dos meus filósofos favoritos, David Hume, que, depois de descobrir que estava mortalmente doente aos 65 anos, escreveu uma pequena autobiografia em apenas um dia em abril de 1776. Ele a intitulou de “Minha própria vida”.
“Eu agora conto com uma dissolução rápida”, escreveu. “Tenho sofrido uma pequena dor da minha desordem; e o que é mais estranho, apesar do grande declínio da minha pessoa, nunca sofri um momento de abatimento do meu espírito. Eu possuo o mesmo ardor de sempre no estudo e a mesma alegria em companhia.”
Tive sorte suficiente para viver mais de 80 anos, e os 15 anos que me separam de Hume têm sido igualmente ricos de trabalho e amor. Nesse tempo eu publiquei cinco livros e completei uma autobiografia (algumas páginas a mais que a de Hume) que será publicada nesta primavera. Ainda tenho vários outros livros perto da conclusão.
Hume continua. “Eu sou (...) um homem de disposições médias, de temperamento sob controle, de um humor aberto, social e alegre, capaz de me apegar, mas pouco suscetível a inimizades, e de grande moderação em todas as minhas paixões.”
Aqui, eu e Hume nos diferenciamos. Enquanto eu curti relações amorosas e amizades e não tenho verdadeiras inimizades, não posso dizer (nem ninguém que me conhece) que sou um homem de disposições moderadas. Ao contrário, sou um homem de disposições veementes, com violento entusiasmo e extrema falta de moderação em todas as minhas paixões. Ainda assim, um trecho do ensaio de Hume me parece extremamente verdadeiro: “É difícil estar mais destacado da vida do que estou no momento”.
Nos últimos dias, tenho conseguido ver minha vida de uma grande altitude, como uma espécie de paisagem e com uma profunda ideia de conexão entre todas as partes. Isso não significa que eu desisti da vida.
Ao contrário, eu me sinto intensamente vivo e quero – e espero – no tempo que me resta aprofundar minhas amizades, dizer adeus para as pessoas que amo, escrever mais, viajar se tiver forças, atingir novos níveis de entendimento e compreensão.
Isso vai envolver audácia, clareza e simplicidade no discurso; tentar acertar minhas contas com o mundo. Mas haverá tempo, também, para alguma diversão (e algumas tolices, também).
Sinto uma repentina clareza de foco e perspectiva. Não há tempo para nada que não seja essencial. Tenho de centrar foco em mim mesmo, no meu trabalho e em meus amigos. Não devo mais assistir ao telejornal todas as noites. Não devo mais prestar atenção à política ou às discussões sobre o aquecimento global.
Isso não é indiferença, mas distanciamento – ainda me importo profundamente com o Oriente Médio, com o aquecimento global, com a crescente desigualdade, mas não são mais problemas meus. Todos eles pertencem ao futuro. Fico feliz quando encontro jovens talentosos – até aquele que fez a biópsia e o diagnóstico da minha metástase. Sinto que o futuro está em boas mãos.
***
Sinto cada vez mais consciência, nos últimos dez anos ou mais, de mortes entre os meus contemporâneos. A minha geração está partindo, e cada morte que eu tive, senti como um descolamento, a rasgar parte de mim. Não haverá ninguém como nós quando nos formos, mas também não há ninguém como qualquer outra pessoa, nunca. Quando pessoas morrem, elas não podem ser substituídas. Deixam buracos que não podem ser preenchidos, pois é o destino - o genético e neural - de todo ser humano ser um indivíduo único, a encontrar o seu próprio caminho, para viver a sua própria vida, para morrer a sua própria morte.
Eu não posso fingir que não tenho medo. Mas o meu sentimento maior é de gratidão. Eu tenho amado e tenho sido amado. Eu tenho recebido muito e dei alguma coisa em troca. Eu li, e viajei, e pensei, e escrevi. Eu tive uma ligação com o mundo, aquela especial, entre escritores e leitores.
Acima de tudo, eu tenho sido um ser sensível, um animal pensante neste belo planeta. O que, por si só, tem sido um enorme privilégio e aventura.
**
Sinto-me agradecido por ter tido nove anos de boa saúde e produtividade desde o diagnóstico original, mas agora eu estou frente a frente com a morte. O câncer ocupou um terço do meu fígado e, apesar de seu avanço ocorrer de maneira lenta, esse tipo particular de câncer não pode ser contido.
Cabe a mim, agora, escolher como viver os meses que me restam. Tenho de viver do modo mais rico, profundo e produtivo que puder. Nesse contexto, sou encorajado pelas palavras de um dos meus filósofos favoritos, David Hume, que, depois de descobrir que estava mortalmente doente aos 65 anos, escreveu uma pequena autobiografia em apenas um dia em abril de 1776. Ele a intitulou de “Minha própria vida”.
“Eu agora conto com uma dissolução rápida”, escreveu. “Tenho sofrido uma pequena dor da minha desordem; e o que é mais estranho, apesar do grande declínio da minha pessoa, nunca sofri um momento de abatimento do meu espírito. Eu possuo o mesmo ardor de sempre no estudo e a mesma alegria em companhia.”
Tive sorte suficiente para viver mais de 80 anos, e os 15 anos que me separam de Hume têm sido igualmente ricos de trabalho e amor. Nesse tempo eu publiquei cinco livros e completei uma autobiografia (algumas páginas a mais que a de Hume) que será publicada nesta primavera. Ainda tenho vários outros livros perto da conclusão.
Hume continua. “Eu sou (...) um homem de disposições médias, de temperamento sob controle, de um humor aberto, social e alegre, capaz de me apegar, mas pouco suscetível a inimizades, e de grande moderação em todas as minhas paixões.”
Aqui, eu e Hume nos diferenciamos. Enquanto eu curti relações amorosas e amizades e não tenho verdadeiras inimizades, não posso dizer (nem ninguém que me conhece) que sou um homem de disposições moderadas. Ao contrário, sou um homem de disposições veementes, com violento entusiasmo e extrema falta de moderação em todas as minhas paixões. Ainda assim, um trecho do ensaio de Hume me parece extremamente verdadeiro: “É difícil estar mais destacado da vida do que estou no momento”.
Nos últimos dias, tenho conseguido ver minha vida de uma grande altitude, como uma espécie de paisagem e com uma profunda ideia de conexão entre todas as partes. Isso não significa que eu desisti da vida.
Ao contrário, eu me sinto intensamente vivo e quero – e espero – no tempo que me resta aprofundar minhas amizades, dizer adeus para as pessoas que amo, escrever mais, viajar se tiver forças, atingir novos níveis de entendimento e compreensão.
Isso vai envolver audácia, clareza e simplicidade no discurso; tentar acertar minhas contas com o mundo. Mas haverá tempo, também, para alguma diversão (e algumas tolices, também).
Sinto uma repentina clareza de foco e perspectiva. Não há tempo para nada que não seja essencial. Tenho de centrar foco em mim mesmo, no meu trabalho e em meus amigos. Não devo mais assistir ao telejornal todas as noites. Não devo mais prestar atenção à política ou às discussões sobre o aquecimento global.
Isso não é indiferença, mas distanciamento – ainda me importo profundamente com o Oriente Médio, com o aquecimento global, com a crescente desigualdade, mas não são mais problemas meus. Todos eles pertencem ao futuro. Fico feliz quando encontro jovens talentosos – até aquele que fez a biópsia e o diagnóstico da minha metástase. Sinto que o futuro está em boas mãos.
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Sinto cada vez mais consciência, nos últimos dez anos ou mais, de mortes entre os meus contemporâneos. A minha geração está partindo, e cada morte que eu tive, senti como um descolamento, a rasgar parte de mim. Não haverá ninguém como nós quando nos formos, mas também não há ninguém como qualquer outra pessoa, nunca. Quando pessoas morrem, elas não podem ser substituídas. Deixam buracos que não podem ser preenchidos, pois é o destino - o genético e neural - de todo ser humano ser um indivíduo único, a encontrar o seu próprio caminho, para viver a sua própria vida, para morrer a sua própria morte.
Eu não posso fingir que não tenho medo. Mas o meu sentimento maior é de gratidão. Eu tenho amado e tenho sido amado. Eu tenho recebido muito e dei alguma coisa em troca. Eu li, e viajei, e pensei, e escrevi. Eu tive uma ligação com o mundo, aquela especial, entre escritores e leitores.
Acima de tudo, eu tenho sido um ser sensível, um animal pensante neste belo planeta. O que, por si só, tem sido um enorme privilégio e aventura.
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Parabéns, Oliver!