Avessos
Às vezes, tudo que eu mais precisava era um pouco de desleixo na vida: conseguir deixar roupas espalhadas, amizades mal-feitas, Amores inacabados, passos mal dados... Mas eu nunca pude conviver com essas coisas, metades, normalidades (assim dizem). Tudo em mim requer organização demais e, quem sabe, por isso, acostumei a encontrar tudo em seu lugar, até mesmo meu coração e meu destino. Eu não quero enfileirar e limpar o pó da paixão com a ansiedade metódica com que ajeito os meus livros na estante. Eu não quero guardar um grande Amor dobrado no guarda-roupas e apenas guardá-lo para nunca vestir. Preciso demais revirar a vida, vez ou outra, e deixar a compulsão da ordem apenas para o concreto. O que eu quero mesmo agora é deixar tudo ao avesso, esquecer num canto qualquer e, depois de meses, reencontrar; quando a necessidade e o anseio passarem. O que eu queria era esquecer essas paixões lentas que sobrevivem a expectativas duvidosas e jogar tudo debaixo da cama. Quem sabe alguém encontre e jogue fora; quem sabe uma amiga pegue emprestado sem pedir ou eu chute escada abaixo na correria de outra paixão. Mas eu não sei fazer isso. E ainda que eu precise aprender (porque costumo ouvir que assim é a vida), eu não posso!