A recusa em saber
Este texto tem como objetivo ser uma reflexão sobre um problema comum na Educação, hoje. Professores, educadores de diferentes níveis de ensino, tanto no ensino privado quanto no público reclamam que os educandos não mais respeitam hierarquia, autoridade, professores e nem os seus iguais em idade e série. Além disso, o desinteresse pelo saber orientado deixa a todos, pais e professores, inquietos e insatisfeitos.
O que fazer? O que fazer para mudar esse estado de coisas? A Psicanálise nos dá alguns caminhos. Parece que há uma relação de identificação do sujeito-aluno com seu mestre e a recusa em saber. Certo psiquiatra, pesquisador da USP, em uma palestra, apresentou sua teoria a respeito da relação médico-paciente. A abordagem deste gira em torno de três eixos: identificação, preconceito e adesão ao tratamento medicamentoso. Podemos fazer uma analogia e aplicá-la à situação educacional.
Identificação é o mecanismo no qual o sujeito dotado de sentimentos, pensamentos, idéias, características de personalidade, encontra no outro sujeito alguns traços (muitos ou poucos) supostamente iguais aos seus. Desta forma, tanto o aluno quanto o professor se identificam um com o outro. A identificação é bilateral e pode ser positiva ou negativa. Isso explica as simpatias e antipatias que ocorrem à primeira vista, até.
Por exemplo, se o aluno é um tipo que gosta de desafiar o professor e se esta é também uma característica do professor, mesmo que seja um traço esquecido e reprimido, este pode estabelecer uma transferência negativa com esse aluno.
Surge, então, o preconceito. A partir daí, não importa quantas qualidades possui o sujeito. Ele já está “mal visto”. E tudo que ele fizer, só vai reforçar a imagem negativa que o professor forma sobre ele. Do outro lado, o mesmo processo ocorreu.
Continuando a analogia, podemos dizer que a dificuldade de adesão ao tratamento medicamentoso corresponde à recusa em aprender. Em outras palavras, o aluno se recusa a “ingerir o conteúdo”. A reflexão, então, toma um outro caminho. Quero introduzir, neste ponto, uma outra ideia. Penso que não se trata de uma simples e pura recusa. A recusa se refere ao saber orientado, conforme nos diz Jorge Forbes (1999), em "Da palavra ao gesto do analista". Além disso, a recusa se refere também à forma como ele se apresenta e ao que o conteúdo representa ou significa para o aluno. Não se trata apenas da recusa em saber, mas também da recusa em seguir padrões de comportamentos que a escola ensina ou exige. A conseqüência é aquilo que consideramos como indisciplina.
O método pode estar representando o “inatingível”; ou seja, o conhecimento da classe dominante, da qual o professor é um representante, mesmo que seja de forma inconsciente. Para analisar este pressuposto, devemos retornar à questão da identificação. Cada sujeito se identifica com o outro por traços semelhantes. Ao aluno é dito que ele precisa aprender; se instruir como um meio de ascensão social e econômica, etc. Sair de uma classe menos favorecida para uma outra. Ele pode não estar identificado com essa outra classe, mas pode estar identificado com o professor que ele julga pertencer a esta classe. Se ele se identifica com o professor, vai, amá-lo, respeitá-lo e permitir ser influenciado por ele. Poderá odiá-lo também, porque os sentimentos quase sempre são ambivalentes. Isso significa que aquilo que o professor diz será mais ou menos uma lei. Suas idéias, opiniões tem peso, tem valor. Daí a importância de cada professor reconhecer-se como uma referência, ou como um modelo para o aluno, embora ele nunca deva colocar-se como tal, ou seja, dizê-lo. Se o fizer, deixará de sê-lo.
Enfim, ser professor é tarefa difícil porque educar nem sempre é possível e isso inclui instruir, informar, ser modelo de valores, ideais e atitudes. É difícil porque somos apenas humanos, cheios de limitações e falhas. Mas, não é totalmente impossível porque somos movidos por desejos. Basta identificá-los.