O BALDE DESPEJADO

Agradeço a generosa e lúcida interlocução, na qual abordas a minha "condenação" à palavra, tanto na prosa quanto no verso. É bom ouvir que aos sessenta e sete anos ainda não se foi de todo a ternura, que ela está viva em meu coração antigo. Grato também por esta espontaneidade que sempre que aconteceu, nunca tive tempo disponível para avaliar ou pedir licença... Bem, se a ternura é elemento formador da confraternidade, estás muito focada na observação: não cabe sequer discutir, pois se trata de avaliação haurida pela sensibilidade do receptor. O autor nunca sabe, em verdade, o quanto se delata – tanto ou quanto – em sua criação, especialmente nos versos com Poesia, em que a necessária codificação mascara a subjacência dos fatos: aquilo que ocorre no dia-a-dia, especialmente no lírico-amoroso. O poeta, em mim, à revelia do querer lúcido, quando em vez abre as comportas emocionais – dilaceradamente – porém a sabedoria intelectiva cuida para que não seja somente o egocentrismo enrustido ou travestido e somente um convite aberto à universalidade... Tal o mestre Fernando Pessoa: "... meu coração é um balde despejado...". E é de se notar e medir intimamente: quase 100 anos após a presença física do poeta na humanidade, a cacimba mágica continua vertendo água boa nos caminhos da Poesia. Hosanas à pervivência dos signos verbais na poética do novelo dos dias...

– Do livro O CAPITAL DAS HORAS, 2014.

http://www.recantodasletras.com.br/mensagens/4715028