O EXERCÍCIO LITERÁRIO

Chega o texto pelo milagre internético, com a carga da amizade e do talento de uma preciosa poetamiga pertencente aos quadros da Casa do Poeta de Praia Grande, litoral paulista. De há muito trocamos textos, considerações, opiniões, pitacos de gente condenada ao fazer poético. Vejamos:

“CÉU DE CÁ

Lita Moniz

Carnaval parece ser o homem querendo

aos deuses se igualar.

É um treino, uma tentativa para um céu

aqui criar.

Parece céu mas não é.

É gente espremida numa fantasia sofrida.

A larga passarela, para quatro mil almas, é viela.

Um céu feito de efeitos, não de feitos.

O coração experimenta os extremos da ilusão.

Flutua, voa nas asas da imaginação.

Ir ao céu e lá ficar enquanto o desfile durar.

É a alma, o espírito a falar: vale a pena treinar.

Vale a pena acreditar que a humanidade pode

transformar este lugar. Tão lindo há de ficar

que até os deuses vão querer aqui voltar.

É esse o recado de cada escola ao passar.

Treino, é treino, é acertar, é errar, mas também

É esperar um carnaval sem vendaval.

É adormecer e sonhar que o céu na Terra não

É missão impossível, é real.”

Lita, estimada! O texto me parece bom, palatável. Porém, não se trata de versos que contenham poesia, no devido rigor estético, visto que na obra não há codificação de linguagem – e a consequente utilização do sentido conotativo das palavras – e na ausência desta, visíveis e reconhecíveis o uso das figuras estilísticas, especialmente a METÁFORA, não há como se designar a peça verbal como POEMA, que é a materialidade da Poesia como gênero literário, na contemporaneidade formal. Em verdade, é uma croniqueta (pequena crônica) utilizando recursos de prosa poética, na qual o grau de codificação é rarefeito – sem ou com pouca profundidade – ausente o vezo do mergulhar no Mistério, o único que faz Poesia. E a obra prosaica deveria estar sendo apresentada em linhas (frases) e não em versos. Não sei se o que ora digo terá algum efeito prático ou se poderá vir a ser útil ou a calhar, porque parece que isto não te preocupa, já que percebo que não realizas o segundo momento de criação, que é o TRANSPIRAR sobre o primeiro momento de INSPIRAÇÃO. De qualquer modo, fico feliz em poder dizer de meu respeito pelo teu talento e do exercício literário para fazê-lo valer como patamar estético. Agradeço a remessa do texto e o gesto bondoso para comigo, que me sabes praticante dos sortilégios de pensamentos e Palavra. Porque, sem esta troca de presentes e futuros, jamais chegaremos ao Outro.

– Do livro ALMA DE PERDIÇÃO, 2009/13.

http://www.recantodasletras.com.br/mensagens/4235100