A Graça da Vida (mensagem de fim de ano)
"Prepare-se para ser esquecido". Sob quaisquer circunstâncias, o seu desaparecimento implicará no seu esquecimento. É uma questão de tempo. É claro que, por exemplo, Machado de Assis, Newton, Nero, Pitágoras, Tolstoi, Cleópatra, Da Vinci, Hitler, etc. estão sempre sendo lembrados. Mas num contexto específico. Pelos interessados em literatura, política, geografia, geopolítica, por estudantes de artes, ciências exatas, engenharia, etc. Assim mesmo, eles terão que ser redescobertos. Se quisermos ter uma noção de suas vidas além do plano da importância delas sob o ponto de vista universal. Antes tínhamos as enciclopédias – as Delta Larousse da vida. Agora temos o Dr. Google.
Mesmo para aqueles que tinham apenas sete anos à época do seu desaparecimento, Getúlio Vargas é um nome que nos remete logo à idéia da avenida no Rio de Janeiro que tem a Igreja da Candelária de costas para ela. Só depois é que poderemos – aqueles que se interessarem – tentar obter maiores informações a respeito do ditador do Estado Novo que suicidou-se em 24 de agosto de 1954, dando “o primeiro passo para sair da vida e entrar na história”, conforme a sua carta-testamento.
Oscar Niemeyer, desaparecido agora, a 5 de dezembro de 2012, em que pese a sua esplendorosa e genial obra e a irrefutável importância dela no campo da arquitetura, bem como a longevidade do construtor de Brasília (morreu com 104 anos!), terá em pouco/algum tempo seu nome atrelado a uma larga avenida, a vários viadutos ou praças no país ou quem sabe até a algumas de nossas cidades. E aí, no que diz respeito a designações, estará ao nível, por exemplo, de Maringá, cidade que teve esse nome em homenagem a uma bela canção. E, claro, Oscar foi ele também uma bela canção.
Para aqueles que não foram tão proeminentes, na escala dos paradigmas estabelecidos por diferentes sociedades, o esquecimento se dá de forma mais peremptória. É mais imediato. É como se a vida, pela ação inevitável do tempo, acabasse por nivelar as pessoas, tornando-as definitivamente iguais. A despeito do conjunto de valores que estamos sempre dispostos a nos oferecer. De fato, até onde possamos enxergar do alto de um avião, as pessoas lá embaixo têm todas a mesma altura. Como quando olhamos as formigas ao se deslocarem em fila indiana, transportando alimentos ou outros materiais pra dentro de casa.
De qualquer modo, a idéia do "prepare-se para ser esquecido" não deve ser traduzida pela condução de algum sentimento nostálgico, melancólico ou coisas do tipo. Não deve conduzir à insatisfação produzida por alguém que falasse de alguma coisa óbvia que, exatamente pela sua condição de obviedade, devesse ser esquecida. Ou não precisasse ser mencionada. Ao contrário, quanto maior a consciência de que seremos esquecidos, maior a possibilidade de celebração da vida por cada um de nós. E de usufruirmos dela com a intensidade que ela espera que tenhamos.
Mas não é propriamente a vida que espera por nós. Ela já nos é concedida. E, ao que tudo indica, de graça. A gente é que pode e deve esperar por tudo o que ela tenha a nos oferecer.
Rio, 21/12/2012