PÉS NUS/ MENTES VESTIDAS

E foi aí que ELE entrou, pela primeira vez, na sala de aula – laboratório de vivências- de salto alto, elegantemente ou simplesmente vestido...
Entrou calçado e se dispôs a conhecer aquele universo de diversidades à sua frente. Suou frio, as mãos se punham gélidas como gotas de orvalho da mais fria noite, o coração saltitante... E no misturar dessas sensações, mergulhou fundo na essência de cada criança que ali estava. Quis, então, conhecer cada uma.
Conversas daqui... Conversas dali... Percebeu que nesse entremeio de ritmos algo se consolidava, um vínculo de empatia se formava. Era a alma do educador tecendo afetos. Carregava em sua inexperiente bagagem um grande desejo: ensinar e aprender.

Os dias se passaram, vieram os meses, depois os anos... Agora já experiente e a idéia de ensinar/aprender era, ainda, desejo que ardia no peito.

Fim de carreira, deixou a sala de aula descalço. Deixou para trás aquilo que, concretamente, o "elevava" diante de seus aprendizes. Deixou também seu pretenso saber e arrumou sua “mala de pensar” com saberes e fazeres de outras vivências. E se foi...Levando consigo os sorrisos que provocou, os ensinamentos que significou e os afetos que criou. Saiu leve, saltitante, pois havia exercitado, de fato, o binômio ensinar/aprender.
É assim a alma do Educador: sensível, desnuda, humana.

Experimente qualquer dia desses entrar descalço em sua sala de aula, em seu escritório, sua casa, seu consultório, seu comércio, seu botequim, em sua vida...

Experimente esvaziar a mente de pretensões intelectuais ou morais e enchê-la de sonhos, desejos e amor pelos seres humanos sem distinção de cor, raça ou crença.
Experimente!Você vai gostar e uma porção de gente que convive com você também.

Mas a história não termina aí... Ela se repete noutros espaços de aprendizagem...

Primeiro dia de trabalho. Professor inexperiente, porém capacitado. Queria um emprego, um salário, algo para lhe ocupar o tempo.
Chegou na sala de aula de salto alto como altivo era o seu saber. Olhou para as crianças que se punham abaixo de sua cintura e pensou:

- Vai ser fácil ensinar!

Sempre com muita classe definia o que fazer, a classe...
Os dias se passavam... os meses se arrastavam... E os anos pareciam não ter fim... Nenhum vínculo se formara, as dificuldades se intensificaram e as turmas não apresentavam resultados satisfatórios.

- Como pode isso? Indagava-se, e culpava a todos, menos a si mesmo.
- O que terá sido esquecido nos longos anos de exercício do magistério?
Suponho que esquecera de ser Educador e foi o tempo todo um mero Professor. Agora, no final da carreira, encontrava-se cansado, enfarado, desencantado. E se foi...Deixando nos aprendizes, apenas e tão somente, a lembrança daquele andar imponente, ligeiro, afinal tinha pressa em ensinar “pessoinhas” que "nada" sabiam.

Deixou a escola ainda de salto alto, e talvez por essa razão, não conseguiu ver de perto o desejo de aprender no olhar desconfiado e tímido de cada um de seus educandos, não conseguiu abraçá-los com segurança, nem construir “castelos de conhecimentos”. Sua mente estava muito “vestida de informações” impossibilitando-lhe sentir o chão frio e firme de profundas verdades e escancaradas realidades.

Havia esquecido de “descer do salto”.

A lei biológica diz que a cabeça comanda o corpo e, por conseguinte, os passos a serem dados; mas, para o Educador de verdade, essa máxima se apresenta invertida, afinal são os PÉS NUS que comandam as MENTES VESTIDAS...


“...Mas isso ( tristes de nós que trazemos a alma vestida) Isso exige um estudo profundo, uma aprendizagem de desaprender.”
                                                 Alberto Caeiro
Suerdes Viana
Enviado por Suerdes Viana em 01/08/2012
Reeditado em 04/11/2012
Código do texto: T3807454
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