Revirando o baú,sempre
" Durante essas noites solitárias em frente `a lareira de minha casa,descobri fios muitos finos,um desenho,minha própria história.Abri as comportas do tipo de lembrança que parece um anseio melancólico por algo perdido ou por algo que nunca existiu. Acho que a maioria de nós tem isso,esse hábito potencialmente destrutivo de manter registros mentais que se acumulam ,se distorcem,depois se quebram e se espalham até os confins mais distantes da razão e da consciência.O que fazemos é acumular a dor,colecioná-la como peças de vidro vermelho. Nós a exibimos, a empilhamos.Até que ela se torna uma montanha na qual podemos subir,esperando e exigindo empatia e salvação. "Ei,está vendo isto aqui ? Está vendo como é grande a minha dor?" Nós olhamos para as pilhas dos outros,as medimos e gritamos: "Minha dor é maior que a sua." É tudo meio parecido com a mania medieval de construir torres.Cada família demonstrava seu poder pela altura de sua torre pessoal.Mais uma camada de pedra,mais uma camada de dor,ambas medida de poder.Eu sempre me esforcei para derrubar minha pilha,para selecionar e rejeitar o máximo de entulho possível.
(...) Minha avó ,com o relato de sua mais horripilante dor,me deixou um legado:me proporcionou um ponto de vista que sempre seria útil para mim,um prisma através do qual eu iria examinar minhas próprias dores,de forma a dedicar a quantidade ideal de energia à gravidade e à solução dos problemas."( ...)
- Marlena de Blasi in" Mil Dias Em Veneza-"
-Me lembrei desse trecho( li o livro há meses) ao viver dois momentos dolorosos recentemente.Primeiro empilhei as dores junto às outras.Depois as exibi e pedi empatia e salvação.
Hoje tento derrubar essa pilha,tento selecionar e rejeitar o entulho.E tento "dedicar a quantidade ideal de energia à gravidade e à solução dos problemas."Difícil sair da rotina de vítima e passar a me responsabilizar pelas escolhas,pelas consequências e pela busca da cura.Um dia de cada vez,eu tento.
Maria Neusa em agosto de 2011