Interternuras 
 
     Ontem, na penumbra do quarto, de madrugada, após bastantes estudos e divagações, olhos semicerrados, dormindo quase, notei que alguém me falava, com conselhos e orientações, querendo saber do meu dia. Era a minha mãe, também deitada, no ar, desperta e atenta. 
     Abri os olhos, quase a vi, e cheguei a falar-lhe.
     - Oi, mãe. Vai dormir. No céu.
 
     Hoje, refletindo melhor, concluo racionalmente: mera impressão minha, sem maiores consequências. Nenhuma grandeza humana.  Moro sozinho há anos, e a solidão cria vidas, fatos, situações - tudo fantasias da idade.
 
     O Anjo das Revelações se acercou do profeta errado, só isso. Logo eu, um mortal pecador que mal crê nas coisas terrenas, que jamais mira os céus?!  Que adora prejudicar outrem e nunca praticou o bem?  Inimigo dos gestos de paz e amante da discórdia?  Um vil contrário, servil às pompas vazias?
 
     Sim, Anjo. Erraste o caminho. Prossegue a jornada. Vai, meu sonho. Vai, que os mansos e puros de coração esperam tua visita e aguardam tua mensagem.



                             ***   ***   ***

Nota:
Margarida Siqueira Azeredo já faleceu há quase quarenta anos.



Enviado por Jô do Recanto das Letras em 10/06/2012
Reeditado em 03/11/2012
Código do texto: T3715401
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