Onde Deus está

Na luz de um olhar, negro como a noite, azul como o mar, verde como as folhas e as esmeraldas, castanho como as amêndoas... Lá está Deus.

Nos cabelos macios ou crespos, longos ou curtos, claros ou escuros; nas curvas sensíveis das sobrancelhas; na delicadeza de lábios finos ou na intensidade de lábios carnudos; no rubor da face, no suor da testa; na sensibilidade de um pescoço, nos calos das mãos; no prazer e no trabalho... Lá está Deus.

Na segurança de um abraço, no beijo longo e apaixonado; no descanso do fim do dia, na surpresa da manhã; nos motivos desconhecidos, nos sonhos compartilhados, no olhar silencioso; na juventude e na velhice, na força e na felicidade; no desespero e na dor, na partida e no encontro; no plantio e na colheita, no som e na imagem; na tempestade e no raio de sol, nas flores e no inverno; na oração e na lágrima... Lá está Deus.

Na amizade e na sabedoria, no aprendizado e na sensibilidade; no carisma e na simpatia, na gentileza e no perdão; na superfície de um lago, nos desenhos em nuvens; nas mãos dadas, nos corações distantes; nos caminhos esquecidos, nas estradas percorridas; no abismo e no crepúsculo, no alto da montanha e no alvorecer; no passo da tartaruga e no voo da gaivota... Lá está Deus.

No coração que bate mais forte por causa do amor, no coração que bate mais fraco por causa da doença; na nascente que brota da terra como um frágil fio, nas gotas que sobem ao céu por causa do calor do sol; nos joelhos que se dobram em gratidão, nas mãos que se elevam ao céu em súplica; nas folhas que caem ao chão, na semente que irrompe da casca; no vento que passa, nas pessoas que chegam; na seiva e no perfume, no graveto seco para a fogueira... Lá está Deus.

Nas bochechas rechonchudas, nos cachinhos de cabelo, nos pezinhos enrugados, nos olhinhos pequenos, no sorrisinho grande, no olhar esperançoso, nas mãozinhas delicadas, na doçura imaculada, no sono despreocupado, na magia e alegria de viver das crianças... Lá está Deus.

Na manifestação da saudade e no poder da imaginação; no impossível e no milagre; na flor pendurada no cabelo, na flor abandonada no campo; no cuidado e na brincadeira; nas pegadas e na poeira; na grama e nas linhas do rosto; na lealdade e na cumplicidade, na meditação e no agradecimento; nos prédios e nas cavernas; no barulho dos carros e dos talheres; nos lençóis macios e perfumados, nos pés sujos e descalços... Lá está Deus.

No lado escuro da lua, na ponta oculta do iceberg, na luz da aurora boreal, no pequeno floco de neve, nas gemas e nas pedras, nas rochas e nas plantas, nos vulcões, cânions, lagos, rios, mares, montanhas, arquipélagos, espuma, areia, vendaval, arbustos, fiordes, recifes, serras, parques, planaltos, pastos verdejantes, desertos áridos, praias, mangues; no sal, no mel, no alecrim, na cânfora, na camomila, no manjericão, na canela, no cipreste, no sicômoro, na cerejeira, no cedro, no ipê... Lá está Deus.

Na casa, na oca, na mesquita, na catedral, no templo, na calçada, no beco, no gueto, na rodovia, na ponte; em Jerusalém, Bali, Nova York, Madrid, Durban, Xangai, Brisbane, Algarve, La paz, Machu Picchu, Glasgow, Helsinki, Vancouver, Salisbury, Saransk, Teerã; na pele marrom, negra, branca, vermelha, amarela... Lá está Deus.

Nos corações sem lar, no corpo sem vestimenta, na boca faminta, nas mãos feridas, no sangue, no perdão, na necessidade, no espírito abatido, na angústia e no furor... Deus ainda está lá.

Na música dos violinos, violoncelos, flautas, harpas, alaúdes, cravos, clarinetas, pianos, oboés...

Nos dentes dos tigres, ursos, leões, tubarões, zebras, girafas, camelos, castores, cães...

Na pétala de flor, no grão de areia, na gota d’água, na estrela distante, na pequena semente...

No voo da borboleta e do gavião, no mergulho do golfinho e do pelicano, na queda da chuva e das cachoeiras...

Na compaixão, na sinceridade, na ética, na perseverança, na compreensão, na tolerância...

No melhor amigo, na família, na tranquilidade do sono, nos risos, nas boas lembranças, no amor, nos beijos...

Lá está Deus.