186 - Relato mágico
RELATO MÁGICO
Andréa me conta que sua turma da E.M Municipal Barão do Amapá viveu uma experiência magnífica. Deixo o texto dela falar. Era para o texto ter saído numa publicação intitulada: No Chão da Escola: Um universo apaixonante lançado pela SME , mas infelizmente o texto não entrou. Assim eu o publico aqui no blog para deleite dos meus leitores. É a prova concreta de que basta um poema para mudar um mundo:
Descoberta
Com a sutileza de seus oito anos, Patrícia foi chegando na roda e dizendo:
Eu não vi o mar.
Não sei se o mar é bonito,
não sei se ele é bravo.
O mar não me importa.
Eu vi a lagoa.
A lagoa, sim.
A lagoa é grande
E calma também.
Na chuva de cores
da tarde que explode
a lagoa brilha
a lagoa se pinta
de todas as cores.
Eu não vi o mar.
Eu vi a lagoa...
Patrícia havia tirado os versos da alma e oferecido a todos com entusiasmo, gesticulava e entoava a voz num ritmo encadeado pela emoção. A turma aplaudiu! A professora surpresa pelo fato da menina ter dito de memória, sorriu abertamente. _ É Drummond professora, desse livro aqui! Disse a menina enquanto corria até a carteira para pegar o livro meio surrado dentro da mochila. Era um exemplar da coleção “Literatura em minha casa” que a professora havia lhe emprestado na véspera.
Tomando de novo a palavra, Patrícia continuou: _É tia, eu também não vi o mar, não ouvi o barulho das ondas e nem sei como é o canto da sereia...
Estarrecida a professora quis saber mais: _Como assim não viu o mar? Esse bairro fica a 40 min. da praia de Copacabana, seus pais nunca te levaram? Patrícia fez um gesto negativo e baixou a cabeça. Fez-se um silêncio rápido e, em seguida, um menininho lá de trás disse baixinho: _ Eu também não vi o mar não, tia. _ Nem eu. Disse outro e mais outro... Em pouco tempo a sala de aula estava repleta de pequenos poetas sem mares a falar ao mesmo tempo.
A professora aproveitou o blá, blá, blá para refazer-se, nesse instante sentindo-se distante, se deu conta do abismo que a separava daquelas crianças que julgava conhecer tão bem, pois vinha acompanhando aquela turma há quase três anos. Tomou fôlego e disse: _Atenção, crianças! A sala encheu-se de silêncio e ela continuou: Eu os levarei para conhecer o mar! Essas palavras ressoaram dentro de si como uma promessa de amor... Um canto sagrado, um hino de louvor...
Novo blá, blá, blá agora mais intenso. A professora esqueceu o caderno de planos, naquele momento, levou as crianças para o quintal e embaixo da grande árvore, continuaram a conhecer-se pelas linhas da poesia de Drummond, leu todo o livro para a turma.
Não tinha a menor idéia de como conseguiria concretizar aquela promessa, fretar um ônibus não seria coisa fácil para ela, muito menos para os alunos, mas estava determinada, e tanto insistiu que conseguiu um patrocínio para financiar o passeio que não custou nada para os alunos.
Chegou o grande dia: os primeiros raios de sol emolduravam a cena, anunciando a formosura que viria. Ansiosa a professora foi a primeira a chegar, aos poucos e bem cedinho foram se juntando a ela, embaixo da velha árvore, todos os alunos, ninguém faltou. Seria um dia inteiro de diversão, ela tinha programado cuidadosamente o trajeto atentando para os mínimos detalhes: primeiro o contato com o mar através da praia de Copacabana, conheceriam a estátua de Drummond que fica no calçadão em seguida visitariam o Forte na mesma praia, depois fariam um passeio marítimo pela Bahia de Guanabara à bordo de um navio da Marinha e finalizariam o dia visitando Museu da Marinha.
O ônibus partiu na hora combinada, rumo ao primeiro ponto. Carinhas curiosas povoavam os bancos. Da calçada, chegavam jorros de bênçãos dos acenos das mães.
O mar despontou no horizonte, as crianças eufóricas viram aquela imensidão de água, não podiam imaginar que fosse tão grande, nada as segurava no banco, agitação total. Tudo era novidade para elas... Prédios, pessoas, biquínis, pranchas, quiosques, skates, turistas de outros países misturavam-se com aqueles pequenos turistas do lugar. No calçadão, um grupinho pediu para tirar foto com os surfistas que passaram por ali. A professora fez de tudo para convencê-los a se contentar em ficar na areia, em vão. Teve de permitir que molhassem os pés, seus olhos brilhavam, eles riam, pulavam, gritavam, catavam conchinhas e na areia moldada pequenas fantasias eram construídas. Muito bonito de ver...
Andaram mais um pouco pelo calçadão até chegar à estatua de Drummond, ficaram espantados com a obra... Muitas fotos tiradas na tentativa de eternizar aquela felicidade.
Patrícia, sempre ao lado da professora, não conteve as lágrimas. Alguns coleguinhas mais atentos, ao perceberem que ela chorava, perguntaram: _ Por que você tá triste? Ela respondeu: _Não é tristeza, é felicidade. Eu sabia que o mar era bonito, aprendi nas histórias, mas de perto, de pertinho, eu descobri que ele é cheio de poesia, tem movimento, cheiro, cor e sabor, é a continuação do céu aqui pertinho de nós,...
E tirando a voz do fundo do coração gritou: _ Eu vi o mar!
Andréa Lopes de Souza, a professora que acreditou em um sonho.
Postado por Roseana Murray às 08:40
1 comentários:
maria neusa guadalupe Jan 27, 2012 04:10 AM
Roseana; essa é a escola na qual acredito..essa interação ente professora e alunos..essa humanização....vou publicar no meu blog,enviar emails...beijos verde-esperancosos e emocionados da maria neusa
-Pedi permissão para postar aqui
Maria Neusa em janeiro de 2012