Garota interrompida.
Ela não se encontra em casa, mais uma vez, sua mãe a espera acompanhada do medo de sempre, medo da perda, perda definitiva, pois, o lado obscuro da vida já a tornou perdida.
Assim ela passa seus dias fora, longe, sumida, sem noção de tempo e espaço ela não tem hora nem dia pra voltar, e mesmo trôpega, ela encontra o caminho de volta. Ainda bem que sua mãe a espera.
Marcela, 22 anos, não estuda mais, nem a escola chega a ir, não tem amigos, não tem namorado, não tem desejos, projetos, muito menos sonhos... Marcela não lê, não assiste TV ou filmes, não ouve músicas, não tem ídolos, religião, não segue a moda, não tem opinião sobre nada, não pensa em si própria nem nas coisas que a cercam, não tem direcionamento, não se opõe a nada, não tem caráter, não tem virtudes, não tem alma...
Trancá-la em casa, acorrentá-la, interná-la...sua mãe só a quer de volta e por perto, e sofre tanto pelos vícios da filha como pelos erros que, como mãe, cometeu, principalmente ao não se fazer presente o quanto antes isso tudo acontecesse.
Inquieta, compulsiva, irritada,faminta,rebelde, desacordada, neurótica, estressada...ou simplesmente...viciada. Qualquer má virtude hoje em dia bem define Marcela, a mais inútil das jovens, a mais suja e maltrapilha das esmolambadas, a mais carente das rejeitadas. A linda filhinha querida da mamãe, de sorriso cativante e brilho no olhar, cheia de vida e desejos...
Bastou uma armadilha da vida, dessas que surpreende qualquer desavisado, e então veio o convite...pegando Marcela pela ingenuidade, pela fraqueza e imunidade, levando-a para além das experiências humanas, transformando-a num depósito de lixo ambulante. A garota preferiu uma má opção, desencontrando o caminho do auto controle, da negação diante o que não presta e de todos que querem o seu bem.
Assim ela segue rumo ao seu fim, desatinando os ponteiros do pouco tempo que lhe resta, entregando sua sorte ao azar.Marcela está com olhos fundos e turvos, pálida e assustada, mente lesa, retardada, sem eficácia, lábios feridos e rachados, língua sem paladar e sem saliva, pele ressecada, braços raquíticos e com veias vertentes de lixo.
Pobre Marcela...pobre alma entregue a esperança de uma hora, quem sabe, ser salva pelas orações da persistente mãe que não desiste de querer vê-la viva outra vez.