Crise existencial de flor?

Um anjo, passeando pelas extremidades de um lago, ouve um lamento com um tom de questionamento. Uma flor, com as raízes agarradas à vegetação à beira do lago, tentando sobreviver ao deslizamento de terra, desabafou:

" - Tenho eu, uma simples flor, vivenciado tantas experiências...

Outrora, nasci num jardim com variadas flores... Parecia um céu e minha alma de flor extasiava-se com a alegria de sentir em minhas pétalas o orvalho no amanhecer, receber o carinho do beija-flor, ouvir o canto do bem-te-vi, presenciar o voo da abelha que colhe o néctar, a leveza das borboletas que pousavam no jardim e, ao anoitecer os vagalumes pareciam anjinhos com suas luzes, brincando e iluminando. Que doce vida!

Vencendo o meu ciclo, minha semente foi levada pelo vento e lançada no universo... Nasci em diversos berços, em estações primaveris passadas:

Num jardim, em uma selva de pedra, onde a poluição aglomerava-se em minhas suaves pétalas e me sentia sufocada.

Numa fresta, na calçada, apertada, com respirar ofegante......

Vez em quando uma formiguinha cortava as minhas folhas verdes, mas reverenciava as minhas pétalas.

Beirando um abismo profundo, quase à perder de vista...

O forte vento, as tempestades, a neblina fria, o sol escaldante...

Precisava ser forte e corajosa, sentir firmeza nas raízes.

E o tempo que passei embaixo de um viaduto? Senti-me só, contava as estrelas e admirava a lua... Esperava ansiosa pela chuva à me regar.

E quando nasci num canhão de guerra abandonado e pensei que iria permanecer ali por um longo tempo?

Numa madrugada, quase fui atingida por uma bala perdida...

Passou de "raspão" por minhas sensíveis pétalas...

E o triste pesar: Levaram o canhão pra consertar... A guerra iria continuar... Eu imaginava que a luta entre os humanos já havia terminado... Fiquei à mercê do chão que me acolheu.

Num jardim de uma escola era um novo tempo...

Minhas pétalas se sacudiam em meio à tanta alegria...

Fiz de minha estadia uma poesia... Sentia, de tempo em tempo, uma mãozinha que me tocava e me alegrava... Mas, com muita pressa ia embora e minha poesia eu não declamava.

Na sacada de um edifício me vi nas alturas... Que loucura!

A vida corria nas calçadas lá em baixo... E eu restrita à uma floreira!

No vaso de uma igreja todos agradeciam por tão bela criação divina...

Sentia-me tão feliz! Acabando a celebração, os olhares direcionavam-se para a vida além da porta... No vaso eu permanecia.

Aos pés da cruz e junto aos túmulos no cemitério experienciei a vida e a morte... Me vi como participante dos mistérios da vida, enfeitando um espaço tão frio e esquecido... Minha certeza era de que havia uma nova morada além... Com flores!

Na floricultura, terapeuta por um dia! Encontrei-me com todas as flores num mesclar de vivas cores... Minha alma de flor registrava cada comentário, desabafo, emoção e sentimento de cada flor, que esperava ansiosa para ir enfeitar ambientes ou ser ofertada... Consciente do que lhe aconteceria ao murchar?! Que trauma!

Na estrada, fazia amizades... Tantas pessoas por ali passavam e algo buscavam...

Mestres, na busca do auto conhecimento, observavam...

Intelectuais, almejando o conhecimento, anotavam...

Pensadores, imersos em seus pensamentos, analisavam...

Artistas, rascunhando as cenas reais, se inspiravam...

Religiosos, interiorizando-se nas questões espirituais, questionavam...

Reis e rainhas, desejando serem plebeus, se encantavam...

Cientistas, ainda buscando fora de si o seu Deus, interrogavam...

Alguns paravam e me dirigiam palavras... Mas materialmente, não sei me expressar.

Então surgiu uma criança e na pureza do seu coração lembrou-se de sua mãe, e sem nada dizer ou perguntar, colhendo-me, levou-me consigo... Sentindo-se feliz... O gesto de amor fala por si.

Em infinitos lugares minha semente nasceu... Sobreviveu... Viveu.

E aqui estou, vivendo novamente uma vida de flor que nasce, vive e morre... Sempre estando à servir e alegrar a vida de quem por aqui passar..."

Relatando essas experiências, a flor se calou... De tanto falar, se cansou... Mas muito ensinou!

Despedindo-se dela, o anjo ouve um estrondoso barulho....

Uma enorme máquina à limpar o lago tão sujo pelo egoísmo humano.

Olhando para a flor, que nasceu ali por um mistério e que trazia beleza ao todo, tão frágil e indefesa e estando sujeita à agressão e ao fim....

Em silêncio, fez o que sentiu em seu espírito: O gesto de amor fala por si. Colheu a rosa e consigo à levou...

Em seu jardim existencial à Replantou!

Essa mensagem tem infinitas lições de amor...

Uma para cada SER.

Rosas de Rose

Rosas de Rose
Enviado por Rosas de Rose em 15/12/2011
Reeditado em 03/07/2014
Código do texto: T3391138
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