CÚMPLICES DO TEMPO
O canto solitário de um pássaro, uma folha que cai levemente, o rio sempre a descer, mudando a paisagem por onde passa, a noite por vir,sem pressa, sem ter onde chegar, dona de si, uma orquestra perfeita.
Agora vejo pessoas, algumas seguindo seus fieis compromissos, com passos sempre iguais. Outras parecem não estarem nem aí, subindo e descendo ruas, que as levam a lugar nenhum. Todas, felizes ou tristes, tem algo em comum, são reféns de um mesmo mal, que as aprisionam numa masmorra sem paredes, sem amarras, sem limites, é inútil tentar fugir. É o tempo, soberano e universal, sem leis, teorias ou normas para lhe reger, mantem a tudo e a todos presos dentro de si, até mesmo o pássaro a cantar solitário, a folha a cair, o rio a descer, ele é o maestro desta orquestra.
O poeta com seus versos, que nessas manhãs de domingo, me faz lembrar quem eu sou; o apresentador de tv que insiste em me dar noticias de alguém que nunca vi; as pessoas ao meu lado e bilhões de outras que sei que nunca irei conhecer, por os olhos, trocar palavras, em cada canto deste planeta, do universo, somos todos cúmplices, cúmplices de um mesmo instante, cúmplices do tempo, pois estamos presos a um mesmo momento, presos a um mesmo elo de uma corrente sem fim.
Ainda ouço o cantar solitário do pássaro, parece está distante, mas ainda somos um só, num instante, cúmplices, ele e eu, assim como a folha que agora está imóvel, sei que esse mesmo momento não irá se repetir nunca mais, o tempo é assim, não nos permite olhar para trás. A noite chegou, deitada em seus longos braços, mergulhada em sua escuridão, mas não é a noite , é o tempo que me cega os olhos, não me deixa ver outros pássaros, outras pessoas que certamente estiveram neste mesmo rio, subiram e desceram essas mesmas ruas, a muito tempo atrás, não sei quais e quantas foram, seus desejos, seus sonhos, seus medos, até seus rastros foram apagados depois de tantas chuvas, também estão presas em seus próprios elos. Imagino ainda quantos elos estão por vir e não poderei percorrê-los, nem eu nenhum de meus cúmplices, seremos apenas mais um elo esquecido na imensidão do tempo.