A VIA CRUCIS DO ESCRITOR

Em 26 de julho de 2011, 10h47min, Helena da Rosa <rsmm_correa@hotmail.com> escreveu:

“Bom dia meu querido Joaquim!

Oportuno este texto, o teu “É FÁCIL CONSUMIR O ÓBVIO”, que aparece em http://www.recantodasletras.com.br/tutoriais/3118922 . Sabes que fico pensando o que fazer com os mais de quinhentos textos que publiquei no recanto... Muitos são os "recadinhos de amor”, mas há alguns bonitos, que contam minha história, minha filosofia de vida, os ensinamentos que transmito aos meus filhos, meus carinhos para com os amigos, minha visão espiritual sobre a morte, contos sobre as lições que recebi dos meus humildes pais... Sabes por que me questiono, por que mesmo não sendo poeta, tenho tanto a dizer ao mundo, mas como gosto de fazer as coisas certas, e sei que não vou conseguir escrever se não assimilar o mais possivel os teus ensinamentos... Por que, como dizes, você incitou minha "cuca" a pensar e agora não tem mais volta, rsss! Como sabemos que poesia não é o relato da nossa história pessoal (muito embora eu pense que sem estas referências pessoais, a poesia inexista, pois não há fatos a serem recriados), a minha história de vida que consideras "rica", se enquadraria aonde? A bem da verdade, estou mais confusa “do que cusco em procissão”, rsss! Peço que me digas o que pensas, se devo rever e reclassificar meus textos... Ou deixar pra lá e dedicar-me a textos novos? Ai... ando assim, com grilos, abelhas e pirilampos a me agitarem os pensamentos... Ah, não te parabenizei pelo dia do escritor... Você, sim, é um verdadeiro escritor e merece todas as homenagens, por isto, te abraço. Bem vou ler mais um pouco. Tenha um lindo dia, poeta. Beijos, Helena.”.

Amiga Helena! Obrigado pelo carinho, pela gentileza de ler os meus textos, interpretando-os e tirando elementos para a vida real. Continua escrevendo, o mais possível. É dessa experimentação que se vai consolidar em o papel do escriba, ou melhor, tu vais liberar outros espécimes de alter egos mais falantes, desenvoltos, mais curiosos do mundo. Também acredito que histórias pessoais “ricas” produzem escrituras mais palatáveis, agradáveis e com mais possibilidades de vir a fazer leitores e admiradores. Afinal, alguém terá que ler as nossas loucurinhas...

Percebo que a Poesia vive nessas subjacências do mundo real – o dos fatos – e o poema é a transfiguração dessas realidades, tal como ocorre no ato-fato de sonhar. A cuca cria um mundo todo pleno de detalhes e personagens que só existem dentro de nós. É dessa simbiose entre a realidade e o sonho que nasce a Poesia, como querem Gaston Bachelard e outros estudiosos do tema. São nascimentos inexplicáveis, os quais ficam – e parece que sempre ficarão – no campo dos mistérios do cérebro humano. E se são “estranhezas”, como se as há de explicar?

"Se conselho fosse bom não se dava, se vendia", porque tudo o que se pensa, o que se produz, é passível de avaliação pecuniária. Todavia, mesmo de graça, o sentir humano não perde em valor se for compartilhado com quem tem vontade de fazer, agir, produzir coisas eticamente boas e pejadas de amorosidade. Enfim, aquilo que é o que de melhor a criatura humana pode produzir: o seu PENSAR.

Cultiva-o a toda hora, que saberás andar com mais facilidade pelo áspero caminho da condenação ao SENTIR. E mais: nós, como escritores – essa curiosa fauna dos desgarrados de si próprios – temos o dever de deixar a ótica pontual sobre o que nos cerca e, inexoravelmente, nos consome.

Então, é necessário, para colimar objetivo, mesmo que o agente o sinta distante, nada é mais aconselhável do que PRATICAR. Sempre, em todos os momentos que o cérebro requisitar. Parabéns a ti como escritora. Eu, como indivíduo desta rica fauna, fico feliz por ter-te como companheira de viagem.

Tudo na vida são rótulos, papéis mais ou menos salientados no decorrer dos tempos. E o escriba é, talvez, a mais difícil dessas inscrições psicossociais. Enquanto o dinheiro é a mola material do mundo, as ideias são a mola espiritual que faz andar a carreta dos dias. Se andares devagar, ouvirás os gemidos dos eixos da carreta e o bufo do cansaço dos bois. Nossa tarefa é ter ouvidos e inteligência para traduzir esses cansaços e os detalhes da estrada percorrida. Essa é a “via crucis” do escriba, com suas estações dolorosas.

Jesus, o Cristo, hoje pouco seria como ser legado aos humanos, se não tivesse havido os seus discípulos escribas, que o relataram enquanto vivo e, após, ressuscitado. Ter-se-ia perdido na modorra dos tempos o seu sofrimento físico e o espiritual decorrente. A literatura oral teria perpetuado os fatos até quantos séculos? Tomé, João, Mateus, Paulo, cumpriram sua missão: o relato do novelo dos dias, ao seu tempo.

Façamos a nossa parte. Lancemos ao mar a garrafa das perplexidades. Com galhardia e zelo.

– Do livro NO VENTRE DA PALAVRA, 2011.

http://www.recantodasletras.com.br/mensagens/3119924