Ventania

Nunca vi nada igual. Ventaram três dias e três noites. A casinha de Dona Chiquinha foi a primeira a voar pelos ares, não sobrou ninguém vivo. Voaram as árvores velhas e também as novas. O vento rompeu a barragem que por sua vez invadiu a cidade e os postes tombaram provocando faíscas elétricas que matou mais gente. Voaram os papeis que incriminavam três políticos do senado e que estavam na pasta de um policial federal. Voou a saia da moça de pernas e ninguém parou para olhar. O vento levou ao largo as preces inúteis e desesperadas dos desesperados passantes que iam aos arrastos e tombos. Também levou para mais longe as sementes de futuros frutos que não caíram onde deveriam e foram postarem em praça inútil. Nesse momento terrível os pecados dançavam nas consciências como num filme veloz. Já não dava mais para repensá-los. E então o vento levantou toneladas de pó, fez-se noite ao meio dia. Melhor era agarrar-se em alguma coisa, mas essa não existia. E ele sempre célere parou entrou na sala da presidência da república, não respeitou imunidades. Telefonaram de lá para o exército. Mandaram dar tiros no vento. O General morreu de medo e pela primeira vez tentou rezar. Os laboratórios de pó viraram pó, quebraram os cachimbos de crak. Os Padres tentaram lembrar como era mesmo a Ave Maria. Só mesmo as flores e as crianças foram poupadas. As flores continuaram flores, as crianças esqueceram-se dos pais...

Carlos A Funghi
Enviado por Carlos A Funghi em 15/07/2011
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