DESTINO GÊMEO

Há muitos modos de morrer e eu, como tu, estou à morte todos os minutos, de morte sempre adiada e sempre anunciada no olhar sem brilho, na palidez do sorriso, na exaustão dos passos e dos gestos, nesta velhice sem idade que entorpece as sobrevivências obrigatórias de cada dia.

As lágrimas não me encharcam a linguagem, esta minha linguagem articulada como a dos lúcidos, esta linguagem que não expõe a loucura real, interior, esta linguagem que engana psicanalistas e adivinhos, esta linguagem-armadura que me tranca o corpo e alma, deixando as chaves pelo lado de fora, as chaves de abrir que ninguém manifesta impulso nem tem condição qualquer para tentar abrir, a fim de tentar resgatar-me de mim, resgatar-me a mim, de nós. Como tu, não há libertar-me nem há vislumbrar caminhos de partir, caminhos de partir para lugar que não existe, para lugar que não tem como existir.

Como para ti, os dias meus têm sido assim. Para mim, para todos nós, assim os dias são.

Urge constatar: tão diferentes na aparência física, nas palavras, nos gestos... somos, internamente, na nossa essência mais funda, semelhantes como uma gota de orvalho, de outra gota de orvalho; uma margarida, de outra margarida; uma estrela, de outra estrela, quando vistas cá da Terra. Só por esta semelhança essencial se explica temos feito jus, termos escolhido tal destino comum, este espantoso e inacreditável destino comum.

Publicação em 07 de junho de 2011.