Minha Querida Professora,
Saí da minha terra natal nos cafundós do Paraná para estudar nesta cidade grande, coisa que não pude fazer enquanto era criança, pois precisei ajudar meu pai a plantar e colher a safra que meu Estado, Celeiro do Brasil, planta para encher a mesa dos brasileiros e estrangeiros, ainda que muitos grãos tenham se perdido pelo caminho.
Mas agora que não sei das “frores” porque só tive tempo de arrancar as “erva daninha”, gostaria de aprender e, por tal motivo vim dar com os costados nesta sala de aula, frequentando o Curso do EJA*.
Quero que saiba que estou colocando todas as minhas esperanças na senhora e na instituição que representa.
Eu queria muito poder ler , daqui algum tempo, uma notícia no jornal de que nossos índices de aprendizado cresceram diante das instituições estrangeiras de qualidade de ensino, e que o analfabetismo foi verdadeiramente erradicado do país.
Na comunidade de onde venho, somos todos muito unidos. Há sempre uma roda de chimarrão, coisa que herdamos dos irmãos gaúchos que migraram para o Oeste do meu Estado. Lá nós conversamos muito e cantamos moda de viola. Somos caipiras.
Na verdade, é uma mistura danada de etnias (será que é assim que se diz?) e na minha cidade, predominou a língua alemã. Trocamos as letras das palavras e carregamos no ERRE e no ELE , sendo muito comum a gente “ponhar” a mão na massa para ajudar os vizinhos “nas colheita dos grãos”. Acho bonito esse falar caboclo do meu povo e não tenho vergonha dele. Mesmo quando nos reunimos para rezar não nos preocupamos muito com o jeito caipira com o qual cantamos a Missa Crioula.
Contudo, querida mestra, estou aqui nesta sala de aula, porque desejo aprender a escrever e a falar corretamente. Sou uma criança grande que precisa ler o mundo.
Pretendo fazer um curso técnico e talvez, com um pouco de sorte eu possa cursar uma faculdade (esse é um sonho meu e também de papai).
A senhora acha que eu tenho alguma chance? Gostaria muito que dissesse sim.
Não preciso aprender o que já sei. Aprendi falar errado e nem sei escrever muito bem, mas eu tenho um direito, garantido pela Constituição, de ter acesso ao Saber.
Desejo falar corretamente a nossa língua, sem os vícios de linguagem que a pobreza do campo me impôs. Quero passar muito além do que contém a Cartilha Viver e Aprender .
Entre meu povo não há essa história de preconceito linguístico, aliás, nem sabemos o que é isso. Mas se a ESCOLA não conseguir me ensinar a pronunciar e a ler corretamente as palavras, eu terei um grande problema na hora de fazer a prova do ENEM e certamente a minha redação no Vestibular será um fracasso.
Se a senhora e a sua equipe estão preocupadas com o preconceito, sugiro que usem das disciplinas de Filosofia e Sociologia para nos ensinar sobre ÉTICA e MORAL, cujas aulas a maioria dos políticos cabulou.
Embora eu tenha ficado muito tempo afastada dos bancos escolares, sou muito disciplinada e acabei de ler o Volume 6 do Livro Por Uma Vida Melhor da coleção Viver e Aprender que o MEC distribuiu para a Educação de Adultos, e já fiz os exercícios propostos.
Continuo a dizer professora: - Não há necessidade de me ensinar o que já sei. Sim, eu sei que falo errado e que muitas pessoas a minha volta se valem do nosso falar colono e da nossa ingenuidade caipira para nos impor suas ideias.
Lá em nossa roda de chimarrão somos todos iguais. Perdi o meu Tempo de Aprender nos caminhos árduos do roçado. Ajudei a poluir os rios com a minha falta de conhecimento sobre ecologia. Estou na escola para me tornar uma pessoa melhor e deixar para trás um país que não conhece a verdade que liberta.
Desejo aprender a falar corretamente; Desejo entender as entrelinhas de Clarice, e emocionar-me de verdade com os versos de Quintana. Pretendo ser massa crítica e com isso, deixar de ser massa de manobra para eleger maus políticos. Quero ter ideais e medo de perdê-los, quero sentar-me debaixo de um pé de Manacá e poder ler um bom livro, pois o respeito por minha gente, esse o meu pai caboclo de mãos calejadas pelo trabalho árduo e mal pago do campo, já me ensinou.
Carinhosamente,
Sua aluna do eja
{Conhecereis a verdade e a verdade vos livrará – João 8, 32}
*Nota:
A educação de jovens e adultos (EJA) é a modalidade de ensino nas etapas dos Ensinos Fundamental e Médio da rede escolar pública brasileira e adotada por algumas redes particulares que recebe os jovens e adultos que não completaram os anos da educação básica em idade apropriada por qualquer motivo.
No Brasil, o campo consolidou-se com influência das ideias do educador Paulo Freire em forte relação com o movimento de educação popular.
O segmento é regulamentado pelo artigo 37 da Lei de Diretrizes e Bases da educação, a LDB ou lei nº 9394. De 20 de Dezembro de 1996.
FONTE: WIKIPEDIA
Saí da minha terra natal nos cafundós do Paraná para estudar nesta cidade grande, coisa que não pude fazer enquanto era criança, pois precisei ajudar meu pai a plantar e colher a safra que meu Estado, Celeiro do Brasil, planta para encher a mesa dos brasileiros e estrangeiros, ainda que muitos grãos tenham se perdido pelo caminho.
Mas agora que não sei das “frores” porque só tive tempo de arrancar as “erva daninha”, gostaria de aprender e, por tal motivo vim dar com os costados nesta sala de aula, frequentando o Curso do EJA*.
Quero que saiba que estou colocando todas as minhas esperanças na senhora e na instituição que representa.
Eu queria muito poder ler , daqui algum tempo, uma notícia no jornal de que nossos índices de aprendizado cresceram diante das instituições estrangeiras de qualidade de ensino, e que o analfabetismo foi verdadeiramente erradicado do país.
Na comunidade de onde venho, somos todos muito unidos. Há sempre uma roda de chimarrão, coisa que herdamos dos irmãos gaúchos que migraram para o Oeste do meu Estado. Lá nós conversamos muito e cantamos moda de viola. Somos caipiras.
Na verdade, é uma mistura danada de etnias (será que é assim que se diz?) e na minha cidade, predominou a língua alemã. Trocamos as letras das palavras e carregamos no ERRE e no ELE , sendo muito comum a gente “ponhar” a mão na massa para ajudar os vizinhos “nas colheita dos grãos”. Acho bonito esse falar caboclo do meu povo e não tenho vergonha dele. Mesmo quando nos reunimos para rezar não nos preocupamos muito com o jeito caipira com o qual cantamos a Missa Crioula.
Contudo, querida mestra, estou aqui nesta sala de aula, porque desejo aprender a escrever e a falar corretamente. Sou uma criança grande que precisa ler o mundo.
Pretendo fazer um curso técnico e talvez, com um pouco de sorte eu possa cursar uma faculdade (esse é um sonho meu e também de papai).
A senhora acha que eu tenho alguma chance? Gostaria muito que dissesse sim.
Não preciso aprender o que já sei. Aprendi falar errado e nem sei escrever muito bem, mas eu tenho um direito, garantido pela Constituição, de ter acesso ao Saber.
Desejo falar corretamente a nossa língua, sem os vícios de linguagem que a pobreza do campo me impôs. Quero passar muito além do que contém a Cartilha Viver e Aprender .
Entre meu povo não há essa história de preconceito linguístico, aliás, nem sabemos o que é isso. Mas se a ESCOLA não conseguir me ensinar a pronunciar e a ler corretamente as palavras, eu terei um grande problema na hora de fazer a prova do ENEM e certamente a minha redação no Vestibular será um fracasso.
Se a senhora e a sua equipe estão preocupadas com o preconceito, sugiro que usem das disciplinas de Filosofia e Sociologia para nos ensinar sobre ÉTICA e MORAL, cujas aulas a maioria dos políticos cabulou.
Embora eu tenha ficado muito tempo afastada dos bancos escolares, sou muito disciplinada e acabei de ler o Volume 6 do Livro Por Uma Vida Melhor da coleção Viver e Aprender que o MEC distribuiu para a Educação de Adultos, e já fiz os exercícios propostos.
Continuo a dizer professora: - Não há necessidade de me ensinar o que já sei. Sim, eu sei que falo errado e que muitas pessoas a minha volta se valem do nosso falar colono e da nossa ingenuidade caipira para nos impor suas ideias.
Lá em nossa roda de chimarrão somos todos iguais. Perdi o meu Tempo de Aprender nos caminhos árduos do roçado. Ajudei a poluir os rios com a minha falta de conhecimento sobre ecologia. Estou na escola para me tornar uma pessoa melhor e deixar para trás um país que não conhece a verdade que liberta.
Desejo aprender a falar corretamente; Desejo entender as entrelinhas de Clarice, e emocionar-me de verdade com os versos de Quintana. Pretendo ser massa crítica e com isso, deixar de ser massa de manobra para eleger maus políticos. Quero ter ideais e medo de perdê-los, quero sentar-me debaixo de um pé de Manacá e poder ler um bom livro, pois o respeito por minha gente, esse o meu pai caboclo de mãos calejadas pelo trabalho árduo e mal pago do campo, já me ensinou.
Carinhosamente,
Sua aluna do eja
{Conhecereis a verdade e a verdade vos livrará – João 8, 32}
*Nota:
A educação de jovens e adultos (EJA) é a modalidade de ensino nas etapas dos Ensinos Fundamental e Médio da rede escolar pública brasileira e adotada por algumas redes particulares que recebe os jovens e adultos que não completaram os anos da educação básica em idade apropriada por qualquer motivo.
No Brasil, o campo consolidou-se com influência das ideias do educador Paulo Freire em forte relação com o movimento de educação popular.
O segmento é regulamentado pelo artigo 37 da Lei de Diretrizes e Bases da educação, a LDB ou lei nº 9394. De 20 de Dezembro de 1996.
FONTE: WIKIPEDIA