Ver a coisa mesma

Não vemos a coisa tal qual ela é. Vemos o que queremos ver. Nós a vemos com olhos vários, dados por nossa história de vida, iniciada no útero materno.

Vemos a coisa já filtrada por nossos conceitos, opiniões, preconceitos, teorias, achismos e imagens mentais.

Nossa visão projetada também projeta nossos receios, medos, fobias, a conformidade de nossa fraqueza, a incerteza de nosso titubeio e a camuflagem de nossa timidez. Ou a nossa coragem e nossa ousadia.

Em lugar de permitir que nosso olhar «construa» açodadamente o objeto, os seres, os fenômenos, as pessoas e as relações diante de nós, que tal se instigássemos nosso olhar a ver a coisa em si?

Noto que, em alguns casos, isso de ser realista diante da realidade é uma atitude mental e emocional ignorada.

Às vezes, a pessoa não é ela mesma para nós e em nós, mas uma imagem interna que formamos dela, segundo nossa interpretação, que nos faz sair correndo na maiorida das vezes.

Do mesmo modo, não lemos determinado livro, porque ele foi escrito por alguém «manjado» demais para nos fazer algum bem.

Não ouvimos músicas, deixamos de sorver uma poesia e evitamos curtir outras obras de arte porque carregam elementos que pretensamente «não acrescentam».

Recebemos um elogio e não recebmos «o» elogio, mas o feixe de «segundas intenções» que julgamos que ele é. Pensamos que se alguém nos dirige reconhecimento é porque um «algo a mais» ele está querendo de nós.

Pode?

Fazendo assim, nem notamos que essa é uma avaliação nossa, fundada em nossos valores, crenças e princípios muito particulares.

Um pouco de atenção nos faria bem, porque, às vezes, nossa mente é louca, nosso coração é maluco e nossos critérios de avaliação das coisas, tresloucados.

E assim, ao interpretarmos mal o «por favor», o «olá» e o «obrigado», na verdade, o que fizemos é descartar a gentileza desejável em quaisquer relações humanas.

Ao vermos no elogio a manifestação de desejos ocultos, às vezes terminamos mandando para longe a ocasião apropriada ao fortalecimento do nosso autovalor.

Passando longe do livro, da música, da poesia, da obra de arte que de longe julgamos «inapropriados», acabamos descartando belas oportunidades de estabelecer trocas que contribuiriam para o nossa realização pessoal.

Deixando de ver a pessoa tal qual ela se apresente à nossa visão, pode ser que estejamos deixando de lado o conhecimento do outro e dando forças aos nossos fantasmas internores.

Enfim, ao deixarmos de ver certas coisas tais quais elas são, substituindo-as pelo que achamos que elas sejam, às vezes, o que resulta disso é a perda de educaçao, de cultura, de amizade, de amor e de vida... E, assim, de perda em perda, terminamos perdendo a nós próprios, o que somos ou poderíamos vir-a-ser.