VIDA E LITERATURA ( cópia de manuscrito colocado em uma garrafa e lançado ao mar)

Quando se mistura vida com literatura, sem se avisar de tal fato aos seres nele envolvidos, gente acaba por virar personagem, com todas as terríveis implicações e caminhos sem saída consequentes desta escolha.

Vítima do processo, olho-me no espelho e não consigo lembrar do meu rosto, nem do meu nome, nem do romance, conto ou poema a cujas páginas pertença, e pior: sei-me igualmente co-autora e cúmplice de mesmo crime, do crime de haver condenado também outro ser a cumprir o destino de personagem, personagem a se olhar no espelho e a procurar, em vão, pelo próprio rosto, pelo próprio nome, pelo poema, conto ou romance a cujas páginas pertença, romance, conto, poema ... texto de gênero indefinido, pela página, enfim, na qual se encontra encerrado, tanto quanto sua cúmplice co-autora, ambos condenados um pelo outro à prisão perpétua, por idêntico crime; ambos em calabouços fatidicamente apartados; ambos a ansiar, em Agonia, por alguma Saída, quem sabe através do Perdão Mútuo, sabendo ambos que este Perdão Mútuo certamente os libertaria, mas ao preço mais terrível de todos os preços: o preço do irrecorrível e mútuo Esquecimento.

Eu, co-autora e cúmplice, pergunto: Há alguém de nós que REALMENTE deseja esquecer? Esquecer AGORA? Esquecer PARA SEMPRE?

Na tarde de 10 de novembro de 2010.