VAIDADE

V A I D A D E

Ama-se por vaidade

e também por vaidade não se ama.

Diga-o aquela formusura a quem um voto poderoso

Fez perder a liberdade.

Não foi inspiração celeste que o fez buscar a solidão de um claustro,

Talvez foi um infeliz amor

A quem se opôs a vaidade.

Cruel destino!

Havemos de amar a vontade da vaidade do amor?

Mas que pouco dura o amor, quando não nasce do amor!

Não há maior combate

Que o que se dá entre a vaidade e o amor,

Se este fica vencido,

A mesma vaidade chora e se arrepende

É vitória que se forma do estrago do vencedor.

Um amor desconsolado em nada pode achar valha o mesmo,

ao amor não há coisa que o iguale, nem valha tanto.

Aquela mesma formosura, a quem a vaidade dominante

vive retirada no limitado espaço de uma prisão santa:

Mas que importa que essa prisão lhe tire a liberdade das ações,

Se lhe não há-se tirar a liberdade do desejo?

Assim como não há ferros para o entendimento

também os não há para o coração,

este ainda no meio da violência e da tirania,

sempre se conserva isento e livre.

Um véu preto sempre esconde mas não muda

nem desfaz nada do que esconde,

antes tudo aumenta mais e tudo mostra ainda maior

e mais claro do que é.

Uma comunidade religiosa coberta de véus,

o que se faz imaginar é que cada véu encobre uma beleza

e muitas vezes o que encobre é uma fealdade enorme,

o pensamento nesta parte é sempre favorável,

porque debaixo daquelas sombras

nunca supoem outras sombras, luzes si:

Há coisas que de se ocultarem, resulta o verem-se melhor,

Em vingança de um manto escuro

Tudo o que está debaixo dele nos apresenta perfeito e singular

Aquela espécie de rebuço, o de que serve é de avisar a imaginação,

de a desanimar, não:

Tudo o que se esconde, parece-nos admirável, só porque se esconde

de sorte que o ocultar,

é o meio de acreditar as coisas e dar-lhes maior valor.

O mesmo é pôr-se aos olhos um obstáculo,

que fazê-los penetrantes e pô-los em uma atividade

que eles não têm naturalmente:

A vista que se embaraça, adquire maior força

à maneira de uma corda, cujo vigor aumenta a proporção que a fazem estar mais perto

e por este princípio, tudo o que se esconde, se mostra.

Quem dissera que o recato e a modéstia, mais chamam do que desviam

mais servem de convidar que de afastar!

Quem foge parece que quer que o sigam,

quem deixa parece que quer que o busquem:

O mesmo é cobrir o rosto, que incitar mil vontades de o descobrir,

a desconfiança faz nascer a instância e o cuidado

o engano muitas vezes se evita só com não o presumir

e com efeito o retornar-se e pôr-se em defesa

é o mesmo que dar um sinal de guerra

o que se guarda, se esconde, é a primeira coisa que assalta

a liberdade do porto

é o que se conserva livre de invasão.

GLÁCIA DAIBERT

GLÁCIA DAIBERT
Enviado por GLÁCIA DAIBERT em 19/06/2005
Código do texto: T25929