Estranha
Venho de uma terra estranha para me habitar. Falo em sussurros, cochichos. Só para não me escutar. Se acho que caminhei prá frente. Dei vários passos prá trás. Quando penso que cheguei a algum lugar foi porque ancorei com meu barco de ilusões em lugar nenhum. Sou estrangeira em mim. Tenho filas de pecados que são a leveza de minha alma. Chamo pecados porque foi o que me contaram. Que estava pecando. Que estava pecando a favor de mim e de quem me ensinou a pecar e contra os quais segundo quem me ensinou... nunca devo pecar. Magriço meus sentimentos porque nem sei mais o que fazer com eles. Estão em mim e precisam sair. Por isso os expurgo aqui. O que dizer? Nada. A voz calou-se em mim. Só ouço a rouquidão do choro que ficou em seu lugar. Eu tinha decidido morrer. Até já tinha derrubado paredes e telhados de minhas casas para que ninguém mais as visse. Selei portas e janelas e coloquei uma plaquinha: Abandonada! Assim os ratos e baratas poderiam pensar em não entrar. Afinal, uma casa abandonada de que serve? Somente Marias conseguem viver lá. Mas eu tinha decidido morrer. E fui morrendo aos poucos. Cada dia um pedacinho. Para ter onde depositar o corpo inerte, eu fiz outra vez o meu cantinho. Bem. Bem escondidinho. Mas cada vez que ia lá espiar, as lágrimas desciam quentes. Eu chorava minha própria morte. Não que não quisesse morrer. Isso eu queria, até planejei o dia e a hora. Teria que ser no dia em que o sol havia partido. Sim. Ontem. Foi ontem o dia que o sol havia partido de mim. Marcado o dia... fui morrendo aos poucos. Porque meu coração não via mais o sol e sem sol a vida de Maria... não tem sentido. E isso eu vi mais uma vez, enquanto olhava as duas letras que diziam o que tinha de mim no meu cantinho. iIsso eu vi, enquanto olhava e chorava. E eu chorava porque pensava que ninguém, ninguém, acharia o meu corpo e o entregaria para os deuses noturnados deste lugar. No meu silêncio... Ninguém saberia que Maria já tinha partido. E nem uma lágrima alguém iria derramar. E foi então... Então que o sol nasceu !