Pés Descalços
Cada dia mais tenho algumas certezas a respeito de mim. Não no meu jeito de ser sem palavras. Ali eu sou o que sou, no exato momento. Uma explosão de sentimentos momentânea. Um mar de calmaria que seria eterno, não fosse os vulcões escondidos sob as águas.
Mas, sou diferente com as palavras. Falo e entendo diferente também. Na verdade vivo em dois mundos. Um real e outro virtual, que em mim é real também.
No primeiro eu sou a mais doce e meiga das mulheres, quase sempre. Briguenta e explosiva sim, mas tudo logo passa e já viro uma flor de sorrisos. Sou querida, amante, apaixonada, amorosa e dedicada. Também sou dura e guerreira, quando preciso lutar por alguém ou defender algum direito ou pensamento. Sou amável e atenciosa e me derreto em amor diante de uma criança ou uma pessoa idosa. Sou apaixonadamente ajudadora diante de um cisne necessitado de ajuda. Ali, no meu mundo real tudo é rápido, a vida é corrida, a agenda não pára. Não preciso esperar o momento seguinte porque ele vem logo. Não perco a paciência, vivo cada instante como ele vem e já estou no seguinte, o que me faz viver intensamente. Falta tempo neste tempo de dois mundos.
Mas tem o mundo virtual que pra mim é real também. Ali é diferente. É um mundo de palavras. Um mundo de letras e imagens. Sonhos e poesias. Que existe. E então tudo fica diferente. Eu tenho de esperar, eu preciso decifrar o que os outros querem dizer, eu tenho de acreditar ou não no que eu não vejo e ouço. Eu preciso entender o que está posto. E tudo é lento. Tudo tem um tempo que não é determinado por mim, mas pelo fio que me liga a ele. E perco a paciência. E entendo errado. E troco os pés pelas mãos. E não encontro palavras para me expressar. Não que não tente, mas elas não existem. Essas que eu quero, que eu preciso, que diriam exatamente o que sinto, não existem. Não existem. E por isso fica faltando algo em tudo que digo. Por isso não consigo deixar fluir verdadeiramente meu espírito em minhas palavras. E nem consigo dizer o que realmente queria dizer.
Então cada dia tenho algumas certezas a respeito de mim, que me fizeram chegar a algumas conclusões a respeito de mim e das pessoas com quem convivo neste mundo. Conclusões que me obrigam a fazer algumas mudanças. Talvez aquelas que eu vivo adiando. Que vivo deixando para amanhã. Por não saber o que fazer. Por não saber bem por onde andar sem me ferir. Sem ferir os meus pés. Pés descalços das sandálias que procuro, mas revestidos da alma de Maria...
Mas tem uma coisa em mim que eu sei fazer com muita humildade.
Posso errar, posso pecar contra alguém, posso não entender, posso ser a pior das mulheres e ferir a mais amável e amorosa das criaturas sobre a face da terra... Mas sei reconhecer, admitir que errei e sei com humildade no coração pedir perdão. Na maioria das vezes as pessoas não perdoam, ou se perdoam não me deixam saber.
Mas isso eu também aprendi a colocar diante dos pés de Deus e deixar que o tempo efetue as mudanças em mim e no outro se ele também precisar.
E, agora, o que eu mais preciso aprender é silenciar. Silenciar para ouvir a vida, o mundo, as pessoas, quem amo, quem me ama. Silenciar para ouvir a voz de Deus. silenciar para aprender o que me disse o sol certa vez:
- Primeiro aprendemos a falar, para depois, necessariamente, aprender a silenciar.