A DOR RONDA O ESPÍRITO

Pelotas: às voltas com a mãe, 84 anos. Sob severos cuidados: não consegue mais levantar sem auxílio, inapetência, dores, cólicas. Sonda vesical de demora. Anemia profunda. Acho que desistirá de viver... Ainda nem pude visitar os cunhados, em Laguna. Já faz mais de ano que não vou por lá, força dos contratempos: artérias obstruídas, dois cateterismos e a neoplasia de Andréa, o que nos ocupa desde o início do verão. Quebrou-se o ciclo normal... A doença é fator de crescimento: dá-nos a dimensão da finitude. Voltaremos ao Passo de Torres no início de agosto, acaso tudo se compuser a favor. Ando a cultivar amizades: bem maior. Percebo que é possível curtir intimidades intelectuais. Por gostarmos de falar de Poesia, tudo fica mais fácil. Sementes em solo fértil nascem viçosas, sôfregas de sol. Guarde-se o vinho, que é sempre uma boa ideia... O Supremo Arquiteto nos abençoa nas provações.

– Do livro O NOVELO DOS DIAS, 2010/11.

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