EXCERTO DA PALESTRA"      A CIÊNCIA E A MENTE"
                     por LAMA SAMTEN


Lama Samten vai de Wittgenstein a Niels Bohr para aplicar o koan “Qual é o som de uma só mão?” à ciência. Leia um trecho abaixo:
“A noção de neutralidade da ciência não é completamente verdadeira, ela é apontada por S. S. o Dalai Lama como um obstáculo num certo sentido. Eu vou trazer essa reflexão para vocês. Hoje, quando olhamos a ciência, temos a tendência de acreditar que qualquer linha de investigação e de pesquisa é útil, porque afinal estamos descobrindo coisas que estão aí para serem descobertas. Então o cientista é um ser que investiga e olha de forma profunda a realidade que se dá no seu entorno. No entanto, na visão budista o que ocorre é assim: nós não descobrimos propriamente o mundo externo, nós descobrimos possibilidades de relação.
Por exemplo, quando nós temos um equipamento experimental e vamos medir uma partícula, na verdade não estamos medindo uma partícula, nós estamos estabelecendo relações entre aquilo que nós chamamos partícula e aquilo que chamamos de equipamento experimental. Quando essas medidas se dão, especialmente na física microscópica, de modo geral (Niels Bohr até chamava a atenção disso), antes de medirmos a partícula, nós nem mesmo sabemos que ela existe, tão diminuta ela é. Depois que ela foi medida, aí nós temos certeza de que ela não existe mais, porque pela interação ela se decompõe, ou passa a fazer parte de outros sistemas. Assim, a partícula é algo quase abstrato. Quando nós medimos essa partícula, no momento da interação com o equipamento experimental, aquilo que a gente chama equipamento experimental, nós vemos as propriedades. Mas não há como separar as propriedades da partícula das propriedades do próprio equipamento, porque ela se revela no contato com o equipamento.
Por exemplo, se eu bater aqui na mesa, vocês ouvem, não ouvem? A gente podia pensar: esse é o som da mesa. Mas isso não é verdade, porque se a mão não batesse, não haveria som. Esse é o som da mão também junto com a mesa, mas por uma simplificação nós dizemos: esse é o som da mesa. Esse é o som do chão, esse é o som da mesa, são diferentes. Esse é o som da minha perna. Agora, seu eu bato uma mão na outra, pelo mesmo critério eu digo: esse é o som da mesa, esse é o som do chão, esse é o som desta mão. Mas não. Eu sou obrigado a entender que o som é das duas mãos, não há o som de uma mão. Então esse é o exemplo budista: qual é o som de uma única mão? Não há isso, os fenômenos são conjuntos. Quando nós fazemos os experimentos na ciência clássica, temos a sensação de que medimos algo que está diante de nós e que o equipamento experimental não tem nenhuma função. Então em verdade nós estamos estabelecendo a propriedade dessa relação entre a mão e os objetos.
Nós estamos criando correlações e, a partir dessas correlações, podemos produzir sons específicos que agora já sabemos como são. Então nós criamos formas de manipulação e de produção de outros resultados. A ciência, na visão clássica, começa a descrever os objetos como se os objetos tivessem propriedades. Aí nós começamos a compor objetos e manifestamos essas condições aonde eles manifestam as propriedades que a gente aspira. Por isso nós somos capazes, hoje, de tomar pedras e fazer naves espaciais que se elevam, não tem nada ali que não sejam pedras que se elevam e se dirigem a Marte, chegam em Marte, pousam e rodam como carros em Marte. Extraordinário. Mas não podemos dizer que a gente descobriu coisas, nós fomos estabelecendo conhecimentos de correlações, nós não conhecemos nada separadamente de fato. Então nós podemos também decidir que tipo de correlações nós vamos estudar. Nós podemos dar uma direção para o próprio estudo e para a própria pesquisa.


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