Flores noturnas

As estrelas apossaram-se do céu faz muito tempo. A noite ocultou a tarde. Lá fora leves ruídos dão conta de que ainda existem pessoas num mundo distante e opaco. O Tempo dorme... Tudo é sonho... Tudo é sombra... Já é tarde... Dormem os reis em seus castelos. Chora baixinho quem da vida se perdeu. Há um passo miúdo que leva aos caminhos por onde salteiam a saudade e a solidão. Há na saudade e na solidão um travo a distorcer os sentimentos.

Meu coração caminha bêbedo nas veredas que levam à saudade e à solidão. Busca em minha mente palavras que possam expressar o sentimento. Procura o verbo reto, o adjetivo atávico... Mergulha em busca do significado do que sinto. A mente, que poderia socorrer-me, apenas mente. O mergulho é um deitar ao longe os olhos lassos. A palavra esconde-se, foge, encanta-se... O verbo perde-se em tempos e modos e, de modo algum, diz o que pretendo dele. São apenas solos de vozes vítreas pranteando a madrugada. A noite enrodilha-se encobrindo a sutileza que é Ser. Os sonhos embebem-se, moleques, na luz da lua. Entoam a melodia pura que vem da alma.

A madrugada aninha-se entre um morrer e um nascer das luzes. Cospe o grito de dor sufocado na garganta. O grito de gozo estremece os corpos que se amavam. O beijo fica hesitante, suspenso, por entre um buscar e um ceder. A madrugada recriou a palavra que brotava aos pés do fio de lua que alumiava o rés chão. Verteu ilusões. No desassossego das noites a vida levita o seu mistério. As flores noturnas desabrocham e exalam seu perfume. A vida despe seus véus. Tudo é símbolo. Tudo é mágico. Tudo é místico. A vida é signo!

A palavra que entendo pensar está para além do meu pensamento. A palavra é emoção. A palavra é um sentir a partir dos signos da Vida. Transfere, suave e leve, tenaz e dura, a minha emoção para possíveis outras emoções. Uma vez desprendida de mim já não me pertence. São borboletas pulsando a vida que vem do Cosmos. São ledos flash de momentos em que minha alma se aventurou no saber dos Mundos. São pequenos espasmos da solidão inerente ao ser. É a vida a ditar a mim o que eu ainda não sei. A palavra que agora me tem é o símbolo passageiro e fugaz do que sou neste momento. No instante seguinte sou outra palavra. Lentamente vou me recriando. Lentamente aproximo-me da minha Alma... eterna. E que por ser eterna traz na sua essência todas as minhas vidas, todos os meus símbolos. Traz a leitura do que já fui, do que serei. A vida é signo! E só com a alma alcanço o sentido do Universo que, também, está em mim. A palavra, em si, é mero grafismo. Sua essência está na emoção.

As flores noturnas desabrocham e exalam seu perfume.
Só os que estão despertos à noite podem compreender isto.
Só os que lêem com a Alma compreendem os signos da Vida.