Eu e meus derivados
Quero morrer como o latim, deixando diversos derivados. Vivendo em cada língua que não se lembra do meu nome, que, saudosos, dizem que já fui quando ainda estou em cada amor confessado, em todo ódio cuspido, na inveja engolida e na tristeza desabafada. Nada que escrevo retrata o que eu sinto, nada toca o meu pensamento, nenhuma palavra me traduz um pouco. Eu que traduzo meus pensamentos para que só sejam palavras. Eu que me limito a pensar com imagens e esquecer o que eu poderia entender sem compreensão. Sou eu que deixo de ser selvagem, livre, natural, puro, simples, para ser um cidadão civilizado, um complexo organismo composto de diversas reações química-biológicas, um ser pensante cheio de filosofias e teorias que explicam tudo que eu desejar, com uma pátria que me chama de filho, acolhe-me com amor e carinho e tolhe-me os perigos que são meus por direito sagrado, dando a isso o nome de segurança, dando regras e conselhos a seguir, deveres sem o direito de continuar devendo e dizem-me: vai, se queres ir, és livre, porém, tua liberdade vem equilibrada sob uma fina linha e se caíres lá embaixo as consequências da tua selvageria te perseguirão. Este é o homem que me tornei, um derivado de alguma coisa que eu não me lembro mais.