AO AMIGO QUE REAFIRMA A MORTE TODO O TEMPO

O mar que te encobre sempre te devolverá à praia. Vivo. Para sempre. Ainda que, cada dia, todos os dias, precises declarar a ti mesmo, a todos e a cada um, que não te vês, que não te encontras, que não te reconheces. Ainda que assim te declares, não por fingimento ou retórica, mas pela afirmação da morte, afirmação a que te agarras para te firmares diante de ti mesmo. Estranha e paradoxal auto-afirmação. Paradoxal e estranha, mas pertence teu, para ser sempre respeitado, não para ser obrigatoriamente endossado o tempo todo por aqueles a quem importe, efetivamente, TUA VIDA EM TI E PARA TI MESMO; para não ser endossado por aqueles a quem tua vida efetivamente importe, esta vida precária e dolorida, tantas vezes assassina, do cotidiano. AMBAS AS VIDAS, preservadas para além das palavras, para além do silêncio, para além de todas as distâncias que instituas entre ti e ti mesmo, para além da morte presente em teu verbo QUASE TODO O TEMPO.

Todo afeto da amiga

Zuleika