O menino que viu o peixe com outros olhos
Catávamos conchas e brincávamos de pega-pega com as ondas. O menino extasiado com a beleza da praia, tão diferente das que conhecia, e com a profusão de conchas trazidas do fundo do mar. Formavam um grande colar que delimitava a areia molhada da sequinha. E lá nos íamos, a gritar de alegria a cada tesouro encontrado. Aquela praia era nossa.
Quer dizer, pensávamos que o fosse até avistarmos, ao longe, um homem pescando e sua família ao redor. Foi aí que nos deparamos com os peixes. E segui o impulso de sempre: pegar um pelo rabo, sem pensar que pudesse estar já meio passado…Ainda,porém, mostrava uma flexibilidade de animal recém jogado à praia. Adoro olhar peixes, tanto que, seguidamente, povoam meus sonhos. Claro que catei-o da areia molhada e ergui-o pela cauda. Reluzia ao sol.
Aí, outro impulso habitual, joguei-o , como se fosse uma bola, para o menininho. E ele lançou-o de volta, bem nas minhas costas.
Decidi que uma foto com o brilhante peixinho, recém saído das ondas transparentes, poderia ser um marco para o ano que há pouco começara. E dele-que-te-dele, fotos do evento.
Olhei ao redor e vi que seus companheiros já estavam eviscerados e sem cabeças, prontos para a frigideira... O pescador distante devia estar ‘gostando’ muito da brincadeira com o prato principal do jantar de sua família.
O menininho da foto , Leo, porém, continuou a ver o peixe como algo que o mar havia cuspido há dias. Inclusive insistiu, em seu blog, que o peixinho pelo qual me extasiara era apenas um bicho podre.
Mesmo assim, acreditem, era um espécime novinho e reluzente como este ano que começa. Por isso, não acreditem muito no que diz meu menininho: gostaria que estivesse em decomposição para criar histórias em sua imaginação.
Enfim, nós dois, menininho e eu, estamos certos: vejo a praia com olhos repletos de memórias de praias, peixes, vovós e tantas outras tranças, enquanto Léo, meu menininho, percebe eventos e lugares exatamente como quer vê-los, através de seus olhinhos limpos de redes de tramas e dramas.
Deixem Léo dizer que posei para uma foto com um peixe fedorento. Para ele, era sua verdade. Eu, no entanto, sigo feliz pela praia , levando o brilho daquele momento por 2010 afora.