Uma leitora de meu site, o Clube da Dona Menô, tinha me pedido um presente: um PPS. Ela queria que eu desse forma a um poema que ela gosta muito, "A um ausente".
Não é bem um poema. É mais uma carta que Drummond escreveu, e isso descobri após ter contato com cada palavra que ele disse.
A princípio parecia uma mensagem de amor perdido, mas logo vi que se tratava de uma carta, uma dura crítica a um amigo que se matou, rompendo com a amizade que ligava os dois.
Este poema só foi publicado após a morte de Drummond (1987) no livro Farewell, concluído por ele.
Acredita-se que Drummond se dirigia ao seu amigo escritor e médico Pedro Nava, que se matou com um tiro em 1984.
Antes de saber sobre esta história, mas já desconfiando que o tema não era romântico, fui atrás de imagens inéditas. Acabei no Jardim Botânico com minha câmera, à procura de folhas secas no chão...
Sim, até eu saber ao que se referia Drummond, eu tinha que ser genérica e me deter apenas ao sentimento de perda - e nada melhor que folha morta...
A música tinha sido escolhida pela leitora, Les Feuilles Mortes, que em português tem a versão "Folhas de Outono", muito conhecida nas vozes de grandes cantores nacionais e internacionais, mas em meu trabalho preferi assoviada, e ficou bem de acordo.
Apenas inseri no PPS quem a interpretou, Curro (ou Kurt Savoy), violonista espanhol, popularizado por assoviar canções. Lembram de "Um dollar furado"?
Esta música na verdade é um poema de Jacques Prévert e que foi musicado por Joseph Kosma. A mais marcante interpretação ficou na voz de Yves Montand.
Assistam ao vídeo, que publico em 2019
https://www.youtube.com/watch?v=0dM2WBF9Lfo
Leila Marinho Lage
http://www.clubedadonameno.com
A UM AUSENTE
Carlos Drummond de Andrade
Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?
Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.
Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste