NO DIA DO POETA
Hoje, 20 de outubro, é o Dia do Poeta. Que ser é este a fabricar "inutensílios", no verso de Manoel de Barros? Que ser é este "fingidor (que) finge tão completamente, que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente", segundo Fernando Pessoa? E quando Cecília Meireles escreve: "Não sou alegre nem triste:sou poeta", que está ela a dizer?
Guardei estes versos do meu primeiro poema, aos 9 anos: (...) A tristeza é uma megera/ de tez fina e sombria./ Os tristes têm nela/ a melhor companheira/ amarga, solitária e fria (...). O que levou minha criança a escrever tais coisas aos 9 anos? Alguns dirão: é apenas o registro de uma patologia precoce. É bem possível, quem sou eu para afirmar o contrário? Por outro ângulo,se aceitarmos estes "versos" como poesia, então a poesia é a marca precoce da Tristeza sobre a fronte dos que virão a carregá-la pelo resto da vida?
Não o creio. Relembro Cecília: "Não sou alegre nem triste: sou poeta". Relembro Fernando: "O poeta é um fingidor./ Finge tão completamente/ Que chega a fingir que é dor/A dor que deveras sente." E,para tornar claro para que serve a poesia, no sentido do estreito pragmatismo no qual e para o qual fomos educados, a poesia não serve para nada, segundo o belíssimo neologismo do Manoel: é um inutensílio.
No entanto, este inutensílio é a ponte precária sobre a qual nos debruçamos e vivenciamos as fundas águas da morte, as fundas águas do amor. Através deste inutensílio, nossa danação, nossa salvação, nosso caminho cotidiano entre estes dois abismos a buscar, insensatamente, a eternidade dos segundos.
Zuleika dos Reis
Em 20 de outubro de 2009.