CONFISSÃO
Eu, abaixo assinado, meliante de ofício, já pego em flagrante delito por diversas vezes, faço, de minha livre e espontânea vontade, sem coação alguma das autoridades constituídas, a presente declaração perante essas mesmas autoridades, vós jurados e o povo que lota este recinto.
Tudo começou em 1986. Já antes desta data (17 de junho), porém, alguns dos nossos praticavam pequenos furtos nesta cidade, em diversas outras e, até, fora do Estado e do país, individualmente. Naquela data, porém, reunimo-nos para fundar a nossa associação de meliantes.
Sob a égide dessa associação e em seu nome, trabalhamos árdua e lucidamente para seu engrandecimento e, porque não, nós que gostamos dessa arte, para nosso lazer. Realizamos reuniões periódicas, numa sala nos fundos de um prédio antigo. Assim estaríamos a salvo dos olhares de curiosos e de quem nos pudesse delatar ou tivesse ideias voltadas à espionagem.
Nessas reuniões, sempre presentes de dez a quinze membros, todos especialistas nesse tipo de furtos, trocamos ideias, examinamos armas mais eficazes a serem usadas pelo grupo, e proporcionamo-nos o prazer de um bate-papo informal.
Cada componente desse grupo apresentou seus projetos por escrito, ou seja, descreveu minuciosamente sua colaboração para a formação de uma nova arma. Essas peças foram estudadas em suas minúcias e selecionadas de comum acordo. Chegados a um consenso, as peças selecionadas foram separadas para formação da superarma, que será usada pelo grupo em nossas incursões em residências, bibliotecas, escritórios, escolas etc.. Nesses assaltos, seja na calada da noite ou, mesmo, durante o dia, propomo-nos roubar algo muito precioso; precioso demais para ser desperdiçado. E os incautos cidadãos, que já não têm tempo para o lar; que já não têm tempo para o lazer e que, em muitos dos seus dias, não têm nem tempo para um almoço calmo e saudável, nem notarão que estão sendo roubados, quando isso se der, tão sutilmente agiremos, e com profissionalismo. No corre-corre do seu dia-a-dia mal arranjam tempo para o trabalho.
Nessas reuniões planejamos todos os detalhes, inclusive, o de agirmos como pessoas normais no entra-e-sai da vida... porque nós somos ladrões do tempo alheio.
É incrível que não desconfiem de nossas nefastas intenções. Sequer os assaltos são notados – quando e onde acontecem – e, quando menos se espera, aí estamos nós, diante dos mais carentes e tempo e lhe roubamos segundos e, até, minutos desse precioso bem. E, colocada a isca, a arma automaticamente está engatilhada... e esperamos, com a paciência das folhas de papel onde, naturalmente, está desenhada a arma, a hora do grande golpe.
O mais fantástico e o que nos dá prazer, é que a inocente vítima nem percebe que, uma vez lesada em seu tempo, essa lesão torna-se vício e esse vício, uma dependência que cria uma química cultural incurável. E vai daí, que esse cidadão, inconscientemente, predispõe seu precioso tempo para um novo assalto, e outro e outro e outro. Isso se repete durante o dia e durante a noite; e o prazer instala o vício; e o vício a dependência saudável dessa droga. Uma vez iniciado nessa prática de perda de tempo, o efeito aliciador da droga está em curso... e não falha no seu poder de persuasão.
Como já disse, a arma usada para os assaltos é composta de textos rigorosamente selecionados para que aja sobre a vítima com a eficiência desejada.
E a arma – a prova do crime – está bem aí, na sua frente, em suas mãos – a PRIMEIRA ANTOLOGIA DA ACHE (Associação Chapecoense de Escritores), e nós associados, somos os criminosos.
LEITURA: A “DROGA” DOS INTELECTUAIS!!!