A RIQUEZA DA PALAVRA

– para CFonseca, o alfacinha de gema, que me remeteu o poema, residente em Amadora, Portugal,.

“QUEREM O CÉU

Miguel Torga

Querem o céu, a mística mansão

da alma.

E, se estivessem lá,

queriam a terra, a sórdida morada

da raiz.

Mas é o céu que lhes diz

Eternidade,

Verdade,

Santidade

e descanso.

Assim se pode mistificar

A preguiça,

O pecado,

A mentira

e a transitória vida natural.

O grande tecto azul, porém, não dá sinal

de acolher o aceno.

Afaga as nuvens, e da luz solar

faz o dia maior ou mais pequeno”.

Grande mensagem, num poema com extraordinário poder de síntese. Acompanho a obra de Miguel Torga, o médico transmontano, faz quase 30 anos, desde quando li "OS BICHOS", editado em 1941, incorporado em mim lá pela década de 80, ao que me lembro. Ficou-me apontado nos escaninhos que, por volta dos 13 anos foi “capinador” numa fazenda de café, propriedade de seu tio, aqui em Minas Gerais.

O que mais me impressionou foi a sua poesia na obra “CÂMARA ARDENTE”, graças a António Soares, fundador do Instituto Cultural Português, aqui em Porto Alegre. Acompanhei até os funerais do poeta, lá por meados dos anos 90, com oitenta e oito anos.

A meu sentir, é um dos poetas mais importantes da literatura portuguesa contemporânea.

Poeta da riqueza de palavra, do pensamento encadeado e lúcido, do verbo muito bem colocado no verso, fazendo dele, por vezes e curiosamente, o cerne da metáfora profunda; da riqueza dos adjetivos e da finalização que quase sempre atinge a transcendência, mercê da economia de vocábulos.

A fina ironia e a crítica sibilina são características de seu magistral traço, como neste poema em que o Homem "quer o céu”.

– Do livro O HÁLITO DAS PALAVRAS, 2008/2009.

http://www.recantodasletras.com.br/mensagens/1734373