Calos no espírito


          Vivi por um bom tempo sozinho. Em princípio, o melhor que aprendi desde a época em que fiquei imerso na solidão assumida, foi ter aumentado o nível de autossuficiência.


          Para quem assiste de fora, muitas vezes, viver sozinho tem lá seu glamour. Ser independente, não ter de dar satisfações a ninguém, poder conduzir a vida conforme der na telha. De fato, tudo isso representa um conjunto de fatores positivos.


          Contudo, há o reverso da medalha. Fica-se sem uma palavra de solidariedade, sem um gesto de estímulo, sem uma atitude de motivação, enfim, sem colo e sem cumplicidade de ninguém. 


          Manter a autoconfiança, a esperança e a determinação, dessa forma, nem sempre é algo tão simples quanto parece. Isso depende de uma boa dose de fé, outro tanto de tirocínio e, também, algum polimento nas posturas positivas que eventualmente possam ter remanescido de primitivas vivências.


          O que resultou disso tudo, afinal, é que tive de desenvolver na marra a fé em algo maior, o amor por mim mesmo e a tolerância perante meus semelhantes. Sem esses três componentes, não há como ser inteiro o suficiente nem grande o bastante para enfrentar o dia a dia.


          Descobri que valer-me sozinho tornou-me um indivíduo melhor, certamente. Faltava eu aprender a receber algo dos outros. A autossuficiência me tornou refratário aos afagos alheios que, se me chegavam como algo positivo, quase nunca conseguiam permear minhas emoções. 


          O espírito criou calos e essa casca grossa precisava ser rompida. Era preciso que meu coração desabrochasse novamente; e esse movimento só acontece – como tudo o mais que diz respeito às emoções – de dentro para fora; e não o contrário.

 
          Hoje, já rompi muitas dessas barreiras.  O espírito nunca mais deixará de ser calejado, contudo, redescobriu-se mais rijo e, assim, consegue reter com menos esforço o tanto de bem querer que, enfim, aprendeu a desfrutar.