Prece à vida

Vida, agora que um dos meus objetivos está concretizado, disponibilize-me aqueles bens essenciais para eu ir à frente a tocar meus dias. Não quero nada que sobeje, nem espero a substância falta. Peço a justa medida. Isto: a justeza dos benefícios de viver.

Dai-me o equilíbrio, para a minha necessidade não se tornar uma prisão; os meios adequados a que projetos não se revistam de fins tornados camisas-de-força; a mesura no juízo para o desejo não me fechar na tirania do instinto; a razão suficiente para o sonho não virar devaneio; e a causa sustentável para a luta não fazer de mim o quixotesco ente que sequer sabe aonde ir.

Mostre-me, prioritariamente, os caminhos que levam à realização, mas mostre-me, com desvelo o mais preciso, os caminhos que levam àquilo que sou, em realidade e em promessa. E que ao me lançar no reconhecimento, que eu tenha condições de qualificar-me com os valores do amor-próprio, essa substância do autocuidado pelo cultivo do autovalor.

Coloque senso nos meus pés, para eu não pisar onde e em quem não devo e para eu dar o passo naquele caminho que me preserve o norte, com significado e direção.

Equilibre minhas pernas, para que articulem a contento a leveza e o peso da alma, uma vez que o espírito é que faz cambalear, cair e se levantar.

Revista minhas mãos com as luvas da determinação, quando ela for requerida. Mas evite que elas se tornem ásperas, ou cerradas, quando afeto e generosidade forem o melhor de mim.

Feche meus ouvidos para toda palavra tóxica. Abra-os quando o entendimento razoável tiver de alcançar meu intelecto, pois é com ele que decidirei minha atitude e minha ação.

Quando a luz for muito forte, dai-me a rapidez das pálpebras cerradas. No entanto, abra meus olhos quando o ver significar reaprendizado e redireção.

Evite transformar meu coração em bloco de concreto. Dê-lhe, contudo, a aura aconchegando do calor propriamente humano, para aconchegar ou deixar partir.

Alimente cada uma de minhas células com aquela seiva vital de que meu organismo necessita para se manter na saúde, no bom desenvolvimento e na alegria feliz.

Depois de tudo isso, complemente sua obra! Dai-me o tirocínio medido para que eu possa conjugar justiça e liberdade, os genitores da serenidade de espírito, qual fonte a todo o contentamento que posso experimentar.

Dos outros, ofereça-me apenas aquilo que neles eu conquistar com as minhas próprias forças, na naturalidade do que brota da liberalidade, do belo e da espontaneidade.

Aos outros, dai-me o entendimento de oferecer exatamente a parte de mim que eles seduzirem para si, na simplicidade daqueles que veem no simplesmente estar toda possibilidade de existir.

Que, inteiro, eu não seja visto como mero complemento de ninguém. Que, completo, o outro também possa se ver como o íntegro disponível para mim.

E que essas totalidades não totalitárias produzam o terceiro do que somos: o nós, na naturalidade com que o ar é para o nariz e o sangue, para o coração.

Desse modo, saneie meu corpo, areja minha mente e clareie meu espírito, qualificando-os, sucessivamente, com o vigor, com o discernimento e com a fortaleza sem a qual não posso me entregar à lida de fazer-me algo próximo daquilo que espera de mim (Campinas, SP, 05.06.2008).